Esquerda e direita no Neoliberalismo

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois, presidente da Datamétrica e do Diario de Pernambuco

Publicação: 13/05/2017 03:00

O maior estelionato ideológico dos últimos cem anos no Brasil deu-se com a associação da ideologia de limite à intervenção do Estado na Economia e sociedade (muitas vezes denominado de neoliberalismo) com a direita, enquanto a ideologia de cerceamento das forças de mercado é tida como de esquerda. Qualquer abordagem minimamente razoável desse problema identifica as intervenções do setor público como concentradoras de renda ou distributivista em oportunidades, podendo haver os dois tipos. Como a essência da esquerda é a promoção da igualdade de oportunidades, obviamente é possível que propostas de tutela do governo possam ser de esquerda ou de direita a partir de pressuposto óbvio. Em situações em que as forças de mercado promovem a igualdade de oportunidades, o que é bem mais frequente do que pensam alguns maniqueístas, o “neoliberalismo” torna-se uma bandeira efetivamente de esquerda.

A formação histórica do Brasil tem uma particularidade, que é a existência de dois fenômenos específicos que geram uma tendência forte de decadência de setores da elite, seja ela rural ou urbana. Esses fenômenos são o desenvolvimento tecnológico vindo de fora e por tal com ritmo independente da composição social do país e a mudança do polo dinâmico do desenvolvimento dos setores primários para os urbanos. A existência nos setores primários de um fator de produção que não pode ser reproduzido (recursos naturais) gera acumulação abaixo do crescimento vegetativo da população e por isso expurga contingente não negligível da elite para a classe média urbana. A decadência relativa do polo agrário aumenta essa expulsão das elites.

Essa elite decadente recorreu ao Estado para manter o seu status quo. Para isso, tornou-se funcionária pública e muitas vezes se apegou a ideologias de esquerda para atacar a elite da qual foi expurgada, seja por inveja ou despeito. Nesse contexto, sempre que possível, na sua concepção individualista, travestiu de esquerda bandeiras de políticas públicas e ordenamento institucional que defendiam seus interesses particulares. Com isso, buscou o apoio da maioria da população pobre e trabalhadora para a defesa de suas bandeiras egoístas. Assim, geraram-se distorções no país que são quase inacreditáveis. A universidade pública e gratuita para todos e uma previdência social que concentra renda nas mãos dessa subelite são exemplos dessas distorções. A legislação trabalhista que reduz a produtividade na economia e gera emprego para advogados e burocratas que não tiveram competência para obter ocupação produtiva e por isso beneficiam-se das brechas geradas por ela para extrair renda da perda de produtividade e empobrecimento do país é outro exemplo.

Nesse contexto, a intervenção do setor público para fazer valer os interesses de uma elite decadente que se agarra ao governo para manter seu status quo passou a ser o mote antiliberal dessa subelite. Por isso, tentam ainda associar o neoliberalismo à direita e a defesa de privilégios de poucos tutelados pelo estado como bandeiras de esquerda. Apenas esqueceram que eles não são maioria na sociedade. Por isso, seus interesses contra a reforma da Previdência e trabalhista, assim como a defesa da universidade pública e gratuita, são propostas de políticas que concentram renda e reduzem a igualdade de oportunidades na sociedade. Por tal são bandeiras de direita, no conceito mais correto do termo. Ou seja, há no Brasil hoje um neoliberalismo de esquerda e um antiliberalismo de direita. Só não vê isso quem não quer.