Cruzeiros a Noronha

João Alberto Martins Sobral
Jornalista

Publicação: 11/04/2020 03:00

A possibilidade da volta dos cruzeiros marítimos em Fernando de Noronha, anunciada pelo governo federal e que motivou uma saraivada de críticas, nos faz relembrar o período em que eles aconteceram no arquipélago, um longo tempo, é bom destacar. Estivemos na viagem inaugural e em mais de 10 dessas viagens. Que sempre aconteciam com os navios lotados. Foi o primeiro cruzeiro de muita gente, que depois passou a fazer viagens maiores pelo mundo. Na época era pouco comum as pessoas viajarem de navio. Exceção foram os chamados paquetes do Lloyd Brasileiro, Maria Leopoldina, Princesa Isabel, Anna Nery e Rosa da Fonseca, que faziam, nos anos 70, viagens regulares entre Manaus e Santos, parando em várias cidades, inclusive o Recife. No Rosa da Fonseca, fomos do Recife a Manaus.

Em 1990, o empresário Milton Sanches, que era diretor de cruzeiros da CVC, fundou a BCR-Brazilian Cruises Representation, com o propósito de fazer cruzeiros para Noronha. Conseguiu arrendar e trazer para o Brasil o Funchal, um emblemático navio português. Teve que vencer muitos obstáculos até conseguir fazer a primeira viagem, em 1990. Uma das dificuldades foi a autorização para o funcionamento do cassino, uma das principais atrações do navio, proibido por estar dentro das 200 milhas territoriais do nosso país. O então governador, Carlos Wilson Campos, conseguiu, com o presidente Fernando Collor de Melo, a liberação. A viagem inaugural levou a bordo o governador Carlos Wilson, o secretário de Indústria e Comércio, Alexandre da Fonte, e o presidente da Empetur, Samuel Oliveira. O navio tinha 241 suítes e podia levar até 600 passageiros. Como tinha apenas nove mil toneladas (hoje tem transatlântico com mais de 250 mil), balançava demais, obrigando todo mundo a tomar Dramim.

Para a época era confortável, as cabines apertadas mas acolhedoras. O serviço de bordo, comandado por tripulação portuguesa, era muito bom, incluia festas diárias e shows com artistas pernambucanos. Era famosa a Noite Portuguesa, com show de fados, sardinha assada, bolinhos de bacalhau. O carro-chefe do bar era o Champagne Veuve Clicquot, carinhosamente chamado pelos passageiros de “Viuvinha”. E que viuvinha; saia aos montes.

A chegada em Noronha proporcionava um visual deslumbrante, inesquecível Ancorado longe do porto, os passageiros eram levados nos barcos pequenos do navio e passavam 10 horas na ilha, garantindo bom faturamento aos bugueiros, guias, restaurantes, lojas de artesanato. Não era fácil o trecho navio-ilha. Em alguns cruzeiros, não foi possível visitar a ilha. O transtorno era previsto na venda das passagens. A viagem atraia muitos nordestinos, mas se tornou um point mesmo para moradores de São Paulo, que eram sempre a maioria.

O Funchal fez dezenas de viagens, até 2003, incluindo, escalas em Natal, Maceió e Salvador. Hoje, pode ser visto parado no porto de Lisboa, Depois, o cruzeiro continuou com navios maiores, o Ocean Dream, Pacific, Louis Aura e Blue de France, maiores, mas que levavam, no máximo, 700 passageiros, para permitir a visita à ilha em dois turnos, com 300 pessoas no máximo.

A volta dos cruzeiros à ilha agora esbarraria em um problema que seria conseguir navios pequenos. Hoje a quase totalidade dos transatlânticos que operam na costa brasileira é bem maior, tornando inviável parar na ilha.

Fazer esses cruzeiros a Fernando de Noronha ficou na memória de muita gente. Um dos passageiros foi o presidente Jair Bolsonaro, que viajou no Funchal com toda a família, incluindo os famosos filhos 01,02 e 03. Pelo que sabemos, foi a única vez que ele esteve na ilha pernambucana.