Ivan Pinto da Rocha
Advogado, mestrando pela Unicap e membro do IAP
Publicação: 16/07/2025 03:00
A assistência privada à saúde nasceu com o propósito de suplementar o Sistema Único de Saúde, mas o crescimento acelerado do setor expôs fraturas na relação entre operadoras e consumidores. Surge, então, a chamada “litigância predatória inversa”, expressão cunhada pela doutrina processual para descrever a estratégia de quem se coloca deliberadamente em mora, convertendo a fase de cumprimento de sentença em cálculo econômico.
Em lugar de cumprir a determinação, a operadora multiplica recursos e incidentes protelatórios, pede revisão de astreintes e ignora intimações sucessivas. O processo deixa de ser instrumento de tutela e transforma-se em barreira, pois prolongar a controvérsia custa, para o devedor, menos do que arcar prontamente com o tratamento. O art. 139, IV do Código de Processo Civil oferece antídoto, ao permitir a adoção de medidas coercitivas atípicas sempre que a resistência inviabiliza a efetividade da sentença.
Em março de 2025, durante sessão da Corte Especial do STJ, o ministro Herman Benjamin (então presidente) alertou a comunidade jurídica para essa prática, cunhando o termo “litigância predatória reversa”. Os efeitos sociais dessa prática são graves. Cada dia de atraso transfere o custo do tratamento ao paciente, que se endivida, interrompe terapias ou recorre à rede pública, recolocando o ônus no Estado. Em patologias de evolução rápida, atrasos podem gerar sequelas irreversíveis, elevando despesas futuras e multiplicando ações indenizatórias. O fenômeno produz sensação de impunidade, além de erodir a confiança do público no mercado de planos de saúde e na justiça.
Na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, o tema foi enfrentado em Embargos de Divergência nº 1.479.019/SP. Nesse caso, uma instituição financeira ficou mais de 4 anos sem cumprir uma obrigação imposta por decisão transitada em julgado, deixando acumular astreintes pesadas, e depois recorreu buscando reduzir retroativamente o montante da multa (que já ultrapassava R$ 1 milhão). Por maioria, os ministros rejeitaram a redução retroativa, seguindo o voto divergente do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O fundamento foi justamente desestimular a chamada “litigância predatória/abusiva reversa”: permitir o corte da multa incentivaria grandes devedores a permanecer inertes e só cumprir ordens após tentar eliminar as penalidades
O art. 774 do CPC autoriza multa de até 20% do valor da causa por ato atentatório à dignidade da Justiça, medida que pode cumular-se às astreintes. Órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar, também vêm sendo oficiados para instaurar processos administrativos paralelos, impondo sanções que afetam o certificado de operação da empresa.
O combate à litigância predatória inversa exige atuação coordenada. Magistratura deve usar integralmente os poderes executivos previstos em lei; Ministério Público precisa acompanhar casos de impacto coletivo; órgãos reguladores têm o dever de aplicar multas administrativas severas. Sem resposta firme, o direito fundamental à saúde fica à mercê de cálculos contábeis, e a justiça perde autoridade exatamente onde mais se espera proteger a vida e a dignidade humana.
Em lugar de cumprir a determinação, a operadora multiplica recursos e incidentes protelatórios, pede revisão de astreintes e ignora intimações sucessivas. O processo deixa de ser instrumento de tutela e transforma-se em barreira, pois prolongar a controvérsia custa, para o devedor, menos do que arcar prontamente com o tratamento. O art. 139, IV do Código de Processo Civil oferece antídoto, ao permitir a adoção de medidas coercitivas atípicas sempre que a resistência inviabiliza a efetividade da sentença.
Em março de 2025, durante sessão da Corte Especial do STJ, o ministro Herman Benjamin (então presidente) alertou a comunidade jurídica para essa prática, cunhando o termo “litigância predatória reversa”. Os efeitos sociais dessa prática são graves. Cada dia de atraso transfere o custo do tratamento ao paciente, que se endivida, interrompe terapias ou recorre à rede pública, recolocando o ônus no Estado. Em patologias de evolução rápida, atrasos podem gerar sequelas irreversíveis, elevando despesas futuras e multiplicando ações indenizatórias. O fenômeno produz sensação de impunidade, além de erodir a confiança do público no mercado de planos de saúde e na justiça.
Na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, o tema foi enfrentado em Embargos de Divergência nº 1.479.019/SP. Nesse caso, uma instituição financeira ficou mais de 4 anos sem cumprir uma obrigação imposta por decisão transitada em julgado, deixando acumular astreintes pesadas, e depois recorreu buscando reduzir retroativamente o montante da multa (que já ultrapassava R$ 1 milhão). Por maioria, os ministros rejeitaram a redução retroativa, seguindo o voto divergente do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O fundamento foi justamente desestimular a chamada “litigância predatória/abusiva reversa”: permitir o corte da multa incentivaria grandes devedores a permanecer inertes e só cumprir ordens após tentar eliminar as penalidades
O art. 774 do CPC autoriza multa de até 20% do valor da causa por ato atentatório à dignidade da Justiça, medida que pode cumular-se às astreintes. Órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar, também vêm sendo oficiados para instaurar processos administrativos paralelos, impondo sanções que afetam o certificado de operação da empresa.
O combate à litigância predatória inversa exige atuação coordenada. Magistratura deve usar integralmente os poderes executivos previstos em lei; Ministério Público precisa acompanhar casos de impacto coletivo; órgãos reguladores têm o dever de aplicar multas administrativas severas. Sem resposta firme, o direito fundamental à saúde fica à mercê de cálculos contábeis, e a justiça perde autoridade exatamente onde mais se espera proteger a vida e a dignidade humana.