Retrato na parede mas como dói

Raimundo Carrero
Membro da Academia Pernambucana de Letras
raimundocarrero@gmail.com

Publicação: 31/08/2020 03:00

Era apenas um retrato na parede da Livro 7, mas como dói, conforme diz Drummond. No final dos anos 80, o nosso Tarcisio resolveu criar uma galeria de escritores pernambucanos nas paredes da livraria, numa tentativa de eternizar a literatura do nosso estado.

Não sei como era feita a seleção e a periodicidade mas os retratos foram aparecendo, na maioria das vezes sem discursos e sem festas. Até porque o dono da casa era avesso a solenidades. Tudo devia acontecer na dura sorte, com o homenageado tratando de se embriagar na primeira esquina...Quando se embriagava ou traçando apenas um chopp leve na Lan House, em meio a um caldinho de feijão.

Chega o dia do bem vestido, elegante e silencioso Amaro Quintas, que se declarou feliz quando viu o retrato na pilastra  principal do centro da livraria. No outro dia já não tinha o mesmo sorriso. Entrou num veio só e subiu aflito à sala do livreiro batendo na mesa. Tarcisio se espantou. “O que foi que houve, Amaro?” “Acabei de ser rebaixado aqui, meu amigo. Rebaixado?” “Que história é essa?” “Venha ver”. Tomou-o pelo braço. “Fui rebaixado porque tiraram meu retrato da pilastra e agora ele está aí, no meio dos livros”. “Amaro, o retrato foi tirado para limpar a parede”. Trocaram abraços e afagos. Às gargalhadas.

Gilberto Freyre, pela voz afetuosa de Madalena, pediu que mudassem o retrato, não gostava daquele. Gostava mesmo era de um retrato em que ele aparece, sorridente, com a mão no queixo e que documenta a Seleta da José Olympio.

De minha parte não teve nem choro nem vela. O retrato foi instalado junto ao meu amigo Gilvan Lemos. Estamos sempre juntos, embora os inimigos não queiram. Fui informado por carta porque estava nos Estados Unidos participando do International Writting Program, em Iowa.

Quando cheguei, fui correndo à livraria, sem escolha e sem pilastra. Apenas um retrato na parede, mas como dói, para repetir o verso do velho poeta mineiro mestre nas artes da saudade.

Que não é outro o motivo destas crônicas, com uma lágrima no canto do olho, enquanto seu lobo não vem.