A responsabilidade dos clubes de futebol por ações violentas de "torcedores": uma análise ampliada

Delmiro Campos
Advogado e Procurador do STJD de Futebol e do STJD do Surfe

Publicação: 24/04/2024 03:00

A violência no futebol brasileiro é um problema crônico que assola o esporte há décadas. As ações de torcedores, muitas vezes organizados em grupos violentos, causam danos materiais, físicos e psicológicos a outros torcedores, jogadores, árbitros e até mesmo a pessoas que não possuem nenhuma ligação com o futebol.

Diante desse cenário, diversos debates e pesquisas têm sido realizadas buscando soluções para combater essa violência no futebol. De todas as medidas adotadas nenhuma obteve grande sucesso, uma vez que os problemas continuaram.

Pois bem, em 23.02.204, escrevi para a coluna digital de Esportes do Diario de Pernambuco a crônica “Vai esperar morrer alguém?”. No texto, fiz considerações sobre o atentado criminoso sofrido pelo ônibus da delegação do Fortaleza, após um jogo na Arena Pernambuco contra o Sport pela Copa do Nordeste. Ressaltei também o protagonismo da Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol ao apresentar denúncia ampliando o conceito de praça desportiva, recepcionando a Lei Geral do Esporte.

O conceito de “praça desportiva” é fundamental para entender a responsabilidade dos clubes de futebol por ações violentas de seus torcedores. De acordo com o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), praça desportiva é “o local onde se realizam competições desportivas, inclusive seus acessos e adjacências”.

Ao longo dos anos, a jurisprudência do STJD de Futebol e dos demais Tribunais de Justiça Desportiva do país sempre foi no sentido de não mitigar esse conceito, declarando a sua incompetência para tratar atos de violência fora dos estádios.

Entretanto, após esse nefasto episódio ocorrido em terras pernambucanas, o STJD revisitou os precedentes anteriores, alinhando-se a tese apresentada pela Procuradoria, determinando a responsabilização do clube, e com isso ampliado o conceito de praça desportiva aos trajetos das delegações para os jogos (chegada e saída).

Essa ampliação do conceito se baseia no fato de que os clubes de futebol têm o dever de zelar pela segurança de seus jogadores, comissão técnica e torcedores, em todos os momentos em que estiverem sob sua responsabilidade.

A ampliação do conceito de “praça desportiva” pelo STJD de Futebol levou a Confederação Brasileira de Futebol a incluir no artigo 79 do Regulamento Geral de Competições de 2024 a responsabilidade dos clubes pelos atos de seus torcedores “contra delegações de Clubes e equipes de arbitragem em deslocamentos para partidas”.

Diante dessa “resposta” da CBF resta espancada qualquer discussão sobre a competência da justiça desportiva receber processos que versem sobre atos de violência fora dos estádios.

Como defensor da tese há quase 20 anos, considero essa mudança de paradigma como um reforço ao enfrentamento da violência no futebol brasileiro. Acresce-se ainda que houve um endurecimento nas punições, afinal, segundo a entidade, qualquer incidente que resulte em fatos de “extrema gravidade” possibilitará a perda de pontos ou até mesmo a desclassificação da equipe.

Com essas medidas valendo já para todas as séries do Campeonato Brasileiro e demais competições em curso sob a organização da CBF, os clubes de futebol assumem definitivamente uma “nova responsabilidade extracampo” pela segurança de seus jogadores, das comissões técnicas e via de consequência dos torcedores.

Ante o exposto, entendo que haverá um efeito pedagógico imediato, repercutindo em especial nesses criminosos travestidos de torcedores, na medida em que agora sabem que o mal desejado ao adversário resultará em prejuízos de incerta reparação aos clubes que alegam torcer.