A valorização do cirurgião-dentista e o mercado de trabalho no Brasil: um olhar crítico

Jair Carneiro Leão
Professor Titular do Curso de Odontologia da UFPE e Professor Visitante da Universidade de Parma, na Itália e da University College London (UCL) em Londres

Publicação: 03/07/2024 03:00

A profissão de cirurgião-dentista no Brasil atravessa um período de profunda reflexão. Com 565 cursos de Odontologia reconhecidos pelo Ministério da Educação, disponíveis para uma população de aproximadamente 215 milhões de pessoas, a formação de novos profissionais está em descompasso com as necessidades reais do mercado de trabalho. Em comparação, a Itália dispõe de 58 cursos para 59 milhões de pessoas enquanto o Reino Unido, apenas 16 cursos para aproximadamente 67 milhões de habitantes. Esses números revelam um excesso preocupante de formandos no Brasil, com consequências diretas para a valorização e remuneração dos dentistas.

O resultado dessa discrepância é evidente na comparação salarial. O dentista no Brasil possui um salário médio de 762 dólares mensais, um valor que fica aquém do esperado para uma profissão que exige anos de estudo e especialização. Em contrapartida, o mesmo profissional no Reino Unido ganha, em média, 8045 dólares, e na Itália, 9372 dólares. Esta diferença gritante ressalta a desvalorização do cirurgião-dentista brasileiro, tanto no aspecto econômico quanto no reconhecimento social.

A proliferação de cursos de Odontologia no Brasil reflete uma política educacional desalinhada com a realidade do mercado. A quantidade excessiva de faculdades, muitas vezes sem a devida qualidade de ensino, resulta em uma formação deficitária, com profissionais menos preparados e, consequentemente, menos valorizados. Esse fenômeno cria um ciclo vicioso de subemprego e salários baixos, prejudicando tanto os profissionais quanto a qualidade do atendimento à população.

É urgente repensar a regulação e o controle na abertura de novos cursos de Odontologia. Uma abordagem mais criteriosa pode equilibrar a oferta e a demanda de dentistas, garantindo uma formação de qualidade e, assim, uma maior valorização profissional. Além disso, é imprescindível que haja um esforço conjunto entre governo, instituições de ensino e entidades de classe para promover uma conscientização sobre a importância da profissão, destacando o papel crucial do cirurgião-dentista na saúde pública.

A solução para essa problemática passa também por políticas que valorizem os profissionais formados, proporcionando melhores condições de trabalho e remuneração compatível com a responsabilidade e a importância da função. Incentivos à especialização e atualização constante, aliados a uma reestruturação no sistema de saúde bucal do país, são passos fundamentais para elevar o patamar da Odontologia no Brasil.

A valorização do cirurgião-dentista deve ser uma prioridade nacional. Somente com profissionais bem formados e devidamente reconhecidos é que poderemos garantir um atendimento de qualidade à população, prevenindo doenças e promovendo a saúde bucal de forma eficiente. É hora de agir com responsabilidade e compromisso, ajustando o rumo da Odontologia no Brasil para um futuro mais justo e promissor para todos.