O pedido, o telefonema e o troco

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicação: 09/11/2024 03:00

A conterrânea lá de minha aldeia me procura no gabinete da 2ª Vara. Explica que o irmão, condenado no Paraná, com sentença transitada em julgado, quer cumprir a pena em Aracaju. Para tanto, necessita de sinal verde do Corregedor. Em que eu podia lhe ser útil? Ela queria conversar com o Corregedor. Alego a falta de intimidade para tanto. Mas, podia lhe endereçar um cartão,  que, datilografo no mesmo momento, esclarecendo que a portadora é minha amiga, deseja expor uma situação, no que ficaria grato se pudesse lhe dispensar a atenção devida. Só.

Poucos dias depois, me passam a notícia do Corregedor ter me telefonado. Em outra hora, recebo a ligação, me comunicando que meu pedido tinha sido deferido. Corrijo: o meu pedido se limitava a receber a conterrânea, mas fico grato pela gentileza da comunicação e atendimento.  

Dias após, novo telefonema, o que me deixou de orelha acesa. Me pergunta se a execução contra Fulano de tal estava comigo, ao que respondo que sim, acrescentando, de imediato, que tinha sido expedido mandado de prisão, o caso era de alienação fiduciária, aconselhando a dizer ao devedor, caso pudesse e conveniente fosse, que ou pagasse o débito ou se escondesse, porque o mandado de prisão fora expedido. O Corregedor só fez ouvir. Agradeceu. Não mais telefonou.  

Alguns dias depois, em minha mesa, a petição de arquivamento do credor. O débito foi quitado, ou regularizado.  Me lembrei de ter ouvido do meirinho que procurou o devedor na calçada de seu escritório, este solicitando que o esperasse um minuto. Trancou-se no gabinete. O tempo passando e voando, até que o oficial de justiça buscou informações, obtendo como resposta que o devedor saíra por outra porta. Certifique nos autos, sugeri. A certidão, detalhando os fatos, foi elaborada. Ouvi a credora que pugnou pela prisão. A regularização, ou sei lá o que foi, resolveu, evitando a prisão ser efetuada. O devedor não mais precisava se esconder.

O telefonema, quiçá, se situasse no velho hábito de se falar com o juiz, como se a conversa revogasse a lei. Não afirmo, mas não coloco a mão no fogo. O certo é que o favor feito a  conterrânea poderia gerar troco de minha parte. Lembrei da resposta do cavalo à formiga, depois do muito obrigado que o inseto lhe deu por a ter atravessado o rio.  Não houve troco. Ufa! Escapei!