Jean-Paul Sartre no Recife: "Cadê as negras?"

Marcus Prado
Jornalista

Publicação: 06/01/2025 03:00

O potencial teórico e as ideias do existencialismo em Jean-Paul Sartre (1905-1980) vão ressurgir com novas abordagens, neste ano de 2025, a partir de centros acadêmicos e culturais da Europa e dos EUA, notadamente da França, talvez do Brasil, no Recife, nas celebrações dos 120 anos de nascimento do filósofo que já foi visto entre os bárbaros da modernidade.

O Recife tem motivos para celebrar a data.  Muitos articulistas das nossas folhas literárias nos meados do século 20 levaram Sartre ao Olimpo literário na companhia de Friedrich Nietzsche, Baudelaire, Genet e Flaubert. Não vejo exagero nisso. O autor de O Ser e o Nada tornou-se o filósofo mais citado do seu tempo nesta capital. Suas ideias, desafiadoras no âmbito da filosofia, marcaram o campo das Ciências Humanas no século 20, tornando-se uma referência obrigatória da contemporaneidade.

Foi no Recife que ele, na companhia da famosa Simone de Beauvoir, pisou pela primeira vez em solo brasileiro (6 de agosto de 1960), como convidado da Universidade Federal de Pernambuco, para participar do I Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária.  A iniciativa foi do reitor João Alfredo Costa Lima, além dos professores Eduardo Portela, Luiz Costa Lima, Paulo Freire. Com ele, chegaram algumas celebridades: Jorge Amado e Zélia Gattai, Sérgio Buarque de Holanda, Afrânio Coutinho, os irmãos José e Elysio Condé, Wilson Martins, o norte americano Frank Snowden (Faculdade de Letras de Harvard) e o português Adolfo Casais Monteiro.  O jornalista Aníbal Fernandes (Diario de Pernambuco), conhecido por sua paixão pela obra de Albert Camus, não gostou nada disso: “Se não temos público para ler os livros, como pensar primeiro num congresso de crítica, antes de formar o maior número de leitores para esses livros?”

Antes da viagem, Sartre e Simone jantaram na residência do pintor pernambucano Cícero Dias, em Paris, na companhia do pintor Di Cavalcanti e do escritor Gilberto Freyre. Tudo preparado por Raymond, mulher de Cícero, ao gosto do filósofo: peixe ao forno. Conversaram sobre as tradições populares do Nordeste no período colonial e sobre a capital recém-construída, Brasília. Muito foi dito por Cicero e Gilberto sobre o que eles iam conhecer no Recife e Olinda, sua paisagem, a claridade solar das praias, seus pontos históricos, sua gastronomia (não faltou uma dica para um almoço no Buraco de Otília, na Rua da Aurora). A conversa teve um desvio para Marguerite Duras, Matisse, Wassily Kandinsk, lembrando que Dias fora amigo deles e de Paul Éluard, poeta dadaísta (e depois surrealista), e para Picasso, de quem Cícero também era amigo. O jantar terminou com Gilberto dizendo sobre os engenhos de Pernambuco, os canaviais, o caldo de cana a ferver nos tachos, até o corpo do trabalhador negro no eito e das negras.

Uma das perguntas de Sartre no Recife: “Cadê as negras?”