A arte como exercício da incomunicabilidade

Sérgio Bivar
Escritor e cineasta

Publicação: 10/04/2025 03:00

Fazer um filme, como escrever um livro ou criar qualquer coisa, é um exercício da insignificância e da incomunicabilidade. Essa afirmação, longe de ser um lamento niilista, pode ser encarada como uma das mais profundas verdades sobre o ato criativo. Criar é lançar-se ao vazio, é articular um gesto que, por mais poderoso ou sincero que seja, é sempre atravessado pela dúvida: será que alguém vai entender? Será que importa?

No momento da criação, o artista não tem garantias. Ele está só no abismo hölderliniano. Há uma tentativa de dizer algo — mas o que exatamente? O que se pretende comunicar? Muitas vezes, nem o próprio criador sabe. A arte é uma forma de busca, não de resposta. E, nessa busca, o artista se depara com os limites da linguagem, da forma, da compreensão. O mundo não responde. O público, quando chega, chega sempre depois, mediado pelo tempo, pela cultura, pelo acaso. É preciso coragem pra falar a partir de um profundo não saber.

A “insignificância” de que falamos aqui não é uma desvalorização da obra, mas o reconhecimento de que, num universo imenso, indiferente e saturado de signos, qualquer tentativa de marcar uma diferença é, em certo sentido, pequena. Um filme pode mudar vidas, mas também pode se perder no ruído das plataformas, nos algoritmos, nos olhos distraídos. Um livro pode ser lido com paixão, ou esquecido numa estante. O gesto de criar, por isso, é sempre marcado por um paradoxo: é urgente, íntimo, necessário — e, ao mesmo tempo, insignificante diante da totalidade.

A incomunicabilidade é irmã dessa condição. Escrevemos ou filmamos movidos pela ilusão de que vamos conseguir comunicar algo essencial, íntimo, intransferível. Mas a linguagem falha. A imagem escapa. A emoção que se quis transmitir se transforma no outro. Não há comunhão perfeita — só tentativas, aproximações, mal-entendidos produtivos, ou não.

E, no entanto, continuamos criando. Talvez porque, justamente aí, nesse vazio, nessa impossibilidade de comunicação plena, resida o que há de mais humano. Criar é resistir à insignificância. É gritar no meio do deserto. É confiar que, mesmo se a mensagem não for ouvida como se esperava, algo dela sobreviverá — transformado, mal interpretado, mas vivo.

Criar é um ato de fé. Fé na potência do gesto, mesmo quando ele parece não dizer nada. Fé na presença do outro, mesmo quando o outro não responde. E fé, sobretudo, de que na incomunicabilidade pode nascer uma nova linguagem — não perfeita, não completa, mas viva o suficiente para tocar alguém, em algum tempo, em algum lugar.

Assim, fazer um filme, escrever um livro, ou criar qualquer coisa, é afirmar: “Eu existo, e tento dizer algo”. Mesmo que esse algo se perca no caminho. Mesmo que ninguém ouça. Mesmo que tudo pareça insignificante.

Porque, no fim, talvez o que nos salve seja justamente isso: o gesto de tentar.