Becos que deveriam ser eternos

Marcus Prado
Jornalista

Publicação: 07/04/2025 03:00

O jornalista e escritor pernambucano Nestor de Holanda (1921- 1970), natural de Vitória de Santo Antão, continua sendo uma referência no Rio de Janeiro como um dos cronistas mais famosos do cotidiano da cidade. Numa das suas crônicas do “Itinerário da paisagem carioca” (1965) fala-nos de um beco sem nome, onde não passava a corrente do vento, os postes eram sem fios, e onde nunca foi dado alcançar o sol resplendente e soberbo, aquele mesmo sol a que Homero exaltou no texto grego arcaico da “Odisseia”. O sol que ilumina os vastos plainos do firmamento.

O beco nunca é um só. Dentro do seu espaço confinado coexiste a herança colonial. Um beco não poderia existir sem o outro, como tem sido o Beco da Gaia-Fácil (Recife), Beco do Corno sem Gaia (Olinda), Beco da Mulher do Cachorro (Recife), Beco do Bode (Recife), Beco do Polé (Recife), Beco da Balsa (Recife), Beco do Passa a Perna (que se pode atravessar com uma simples passada), Beco do Corno sem Alardes (Recife), Beco do Avarento (Olinda), Beco das Almas (Olinda), Beco da Mulher que Vira Bicho (Olinda), Beco da Tocaia (Recife), Beco da Mulher sem Cabeça (Olinda), Beco da Roda do Fogo (Recife), Beco do Corno Caridoso (Recife), Beco do Porto Seguro (Olinda), Beco do Cuscuz (Olinda), Beco do Não-Caia-Nessa (Olinda), Beco do Catimbó (Recife), Beco da Fome (Recife), Beco do Carcereiro (Recife).  

Um beco, múltiplo, intemporal e singular, para mim, o mais famoso beco do mundo, não é do Recife, nem seria de Olinda, beco de fazer inveja, por sua tradição histórica: o Beco do poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968), à Rua Moraes e Valle, em frente ao Beco dos Carmelitas, no Rio de Janeiro. (Beco tão parecido, mas não pode ser igual, com o Beco de Mário Quintana, em Porto Alegre). Da sua janela, o poeta de “Libertinagem” contemplava o beco sujo onde viviam lavadeiras, costureiras e garçons dos cafés do Centro. Foi nele onde escreveria os poemas “Estrela da Manhã” (1936), “Lira dos Cinquenta Anos” (1940) e “Última Canção do Beco” (1942).

“Beco das minhas tristezas/Não me envergonhei de ti!/Foste rua de mulheres?/Todas são filhas de Deus!/Dantes foram carmelitas.../E eras só de pobres quando,/Pobre, vim morar aqui...” (...) /“Que Importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte”?/O que eu vejo é o beco.”

A tantos nomes de becos aqui lembrados, quando me lembro deles, sou levado à leitura do teórico da linguagem, Ludwig Wittgenstein (1889-1951): “Não damos dois nomes à mesma coisa ou um nome a duas coisas”, o que podemos chamar de visão wittgensteiniana de linguagem. Nunca vi montanhas de altos picos com a mesma denominação, o mesmo bater do gongo ser igual a outro bater de gongo, repetida a sua sonoridade, como o som dos sinos da torre velha da Abadia do Mosteiro de São Bento (Olinda), do vento quando chega nu e inocente nas primeiras horas do dia. O vento irrepetido, vindo das estrelas.