O mais importante tratado da história

Hélcio Villar, Militar, economista e contador (1925-1999)
e
Heldio Villar, Engenheiro e professor da Escola Politécnica da UPE

Publicação: 17/04/2025 03:00

O mundo acompanha com assombro a posição do presidente Trump com relação às tarifas sobre os produtos que os EUA importam, já que ele considera que as que vigoravam quando ele assumiu o poder eram muito inferiores às que os países que compravam dos EUA aplicavam aos produtos “Made in USA”. É evidente que não se tem certeza do que ocorrerá ao comércio internacional e ao mundo caso Mr. Trump não recue e o resto do mundo resolva retaliar. Mas, há mais de três séculos, um tratado similar assinado entre apenas duas nações europeias transformaria o mundo para sempre.

Em 27 de dezembro de 1703, o embaixador extraordinário da Inglaterra em Lisboa, John Methuen, conseguiu que o governo português assinasse um tratado que, entre suas cláusulas, estipulava que Portugal importaria tecidos da Inglaterra (basicamente, lã), com tarifa zero, enquanto que a Inglaterra compraria vinhos de Portugal (basicamente, vinho do Porto) com uma tarifa 1/3 inferior à praticada na importação de vinhos da França. Consta que, pelo lado português, estimularam a assinatura do tratado o Duque de Cadaval e o Marquês de Alegrete, ambos proprietários de importantes vinícolas.

Esse tratado – que passa para a História com o título de Segundo Tratado de Methuen – era extremamente favorável à Inglaterra. Em primeiro lugar, ela estava em guerra com a França, de modo que a importação de vinhos franceses estava prejudicada. Em segundo, é evidente que consumir vinho é muito mais fácil do que consumir tecidos; em consequência, viu-se Portugal na obrigação de continuar comprando tecidos da Inglaterra, mesmo que não tivesse mais tanto vinho para vender.

Se os ingleses – em particular, John Methuen – já tinham, àquela altura, conhecimento da descoberta do ouro nas Minas Gerais (ocorrido menos de uma década antes), é difícil afirmar. Mas o fato é que, para honrar o tratado, Portugal passou a pagar pelos tecidos com o ouro proveniente do Brasil.

Passados mais de 300 anos, ainda hoje há uma acirrada disputa em relação às consequências desse tratado, particularmente – é claro – em Portugal. Uma linha de pensamento afirma que sua assinatura colocou a proverbial “pá de cal” na incipiente indústria têxtil de Portugal. Como, naquela época, era a fabricação de tecidos a mais importante indústria de diversos países, o resultado teria sido desastroso para a indústria portuguesa nos anos vindouros, com reflexos no Brasil. Já outra linha afirma que os tecidos ingleses não tiveram a penetração alardeada, ficando restritos às mais importantes cidades da costa (entre elas, Lisboa e Porto), de modo que não houve muito impacto na fabricação nacional de tecidos.

O fato é que Portugal passou a ser ainda mais dependente dos produtos ingleses a partir de então. A tão falada Abertura dos Portos às Nações Amigas, promovida pelo Príncipe Regente D. João VI tão logo chegou ao Brasil (o Vice-Reino do Brasil, até então, só podia comercializar diretamente com Portugal), significou a abertura do Brasil aos produtos britânicos, já que, em meio às Guerras Napoleônicas, praticamente só a Grã-Bretanha tinha o que vender. Como se não bastasse, menos de dois anos depois, em 1810, a corte portuguesa, ainda no Rio de Janeiro, assinou um tratado de comércio com os britânicos, com tarifas de importação bem menores sobre os produtos da Grã-Bretanha do que sobre os de outros países.

Disputas à parte, uma coisa parece certa: o ouro brasileiro teve um papel crucial na deflagração da Revolução Industrial do século 18 na Inglaterra. Essa revolução de tal forma transformou o mundo que, sem dúvida, pode-se afirmar que o Segundo Tratado de Methuen foi o mais importante tratado da História.