O valor do silêncio

João Carvalho
Jornalista e mestrando em Ciências da Religião pela Unicap

Publicação: 28/05/2025 03:00

Vivemos cercados de barulho. Motores roncando, música ensurdecedora preenchendo diversos ambientes sociais, notificações gritando no bolso. Em meio a tanta vibração sonora, o silêncio tornou-se um bem escasso – e urgente. Ele não é apenas ausência de ruído, mas pode ser considerado presença de atenção, de respeito e de lucidez.

Mais do que ausência de som, o silêncio é cuidado com a mente, o espírito e a convivência. Em tempos de ruído constante, aprender a silenciar, inclusive no trânsito, é um gesto de saúde e civilidade.

O trânsito é talvez o retrato mais ruidoso da vida urbana. E ali, uma das armas sonoras mais comuns e negligenciadas é a buzina. Criada como dispositivo de alerta e segurança, ela foi sequestrada pela impaciência. Hoje, em vez de evitar acidentes, a buzina é usada como válvula de escape emocional: pressiona, insulta, impõe.

Essa transformação silenciosa da buzina em símbolo de intolerância urbana é um alerta. Seu uso indiscriminado contribui para um ambiente mais agressivo, estimula reações impulsivas e alimenta conflitos. É comum que discussões, brigas e até tragédias comecem com um simples toque impaciente. O som, quando não respeita o outro, pode ser o estopim da violência.

Em contrapartida, o silêncio no trânsito é sinal de maturidade social. Respeitar a espera no sinal vermelho, não buzinar em congestionamentos, conter o impulso de reagir com ruído são atitudes que demonstram empatia. Não é exagero dizer que o silêncio, nesse contexto, salva a saúde, a harmonia e a própria  segurança.

O excesso de estímulos sonoros afeta também a saúde física e mental. Estudos mostram que a exposição contínua ao barulho eleva os níveis de estresse, prejudica o sono, a concentração e até a saúde cardiovascular. Em contraste, ambientes mais silenciosos ajudam a restaurar o equilíbrio interno e favorecem o bem-estar coletivo.

Tradições espirituais diversas, como o cristianismo, o budismo e o hinduísmo, sempre valorizaram o silêncio como prática de reconexão. O filósofo Alan Watts dizia que o silêncio não é ausência, mas profundidade. O monge Thich Nhat Hanh ensinava que só em silêncio podemos realmente escutar o outro e a nós mesmos.

Para Santo Agostinho, o silêncio era condição para ouvir a voz de Deus que fala no íntimo do coração humano. Em sua busca pela verdade interior, ele associava o recolhimento e o silêncio à sabedoria e à presença divina. Agostinho defendia que, afastados do barulho do mundo, podemos perceber melhor a luz da razão e a ação da graça. O silêncio, para ele, não era vazio, mas ambiente silencioso onde se pode perceber a presença de Deus.

A ecologia sonora, conceito criado por Murray Schafer, defende que precisamos reaprender a escutar o mundo ao redor com mais atenção e sensibilidade. Isso vale para os sons da natureza – mas também para o som urbano que produzimos sem pensar.

No Brasil, embora o Ministério Público atue na fiscalização de abusos, a falta de  efetivo da Polícia Militar em muitos estados – como é o caso de Pernambuco – limita ações mais firmes contra emissões sonoras fora dos padrões legais. Essa omissão alimenta a sensação de impunidade e estimula o desrespeito coletivo ao direito de (não) ouvir (e viver) em paz.

Incluir o silêncio na rotina urbana não exige grandes esforços. Basta desligar o motor quando possível, evitar buzinas desnecessárias, respeitar o som do outro e praticar a escuta sem pressa. No trânsito e na vida, silenciar também é uma forma de avançar.

Em tempos de excesso, fazer menos barulho é um ato de cidadania.