Zeca Brandão
Arquiteto e urbanista, PhD pela Architectural Association School of London e professor titular da UFPE
Publicação: 03/07/2025 03:00
Recentemente, uma pesquisa origem-destino, realizada pelo Metrô de São Paulo, revelou uma mudança significativa nos padrões de mobilidade da capital paulista: pela primeira vez na série histórica, o número de usuários de transportes individuais, como carros, motos e serviços de transporte por aplicativo, superou o de passageiros do transporte coletivo. Este fenômeno, que tem tornado o trânsito da cidade ainda mais caótico, não é exclusivo de São Paulo, mas reflete uma tendência crescente em todo o Brasil, resultado de décadas de falta de planejamento urbano integrado nas grandes cidades.
A mobilidade nas cidades brasileiras frequentemente é abordada de forma isolada, com um foco excessivo na infraestrutura viária. As soluções propostas são, em sua maioria, limitadas a melhorias do sistema viário, como túneis, elevados, viadutos e vias expressas; concebidas e coordenadas por engenheiros de tráfego. Embora a expertise técnica desses profissionais seja essencial, a complexidade da mobilidade contemporânea transcende e muito as limitações dessa disciplina. A verdadeira dificuldade reside na falta de um planejamento que integre diferentes aspectos da vida urbana.
Diversos fatores afetam a mobilidade nas cidades, como por exemplo a distribuição das diferentes atividades urbanas no território. A localização dos usos comerciais e de serviços, as opções de lazer, assim como a distribuição da habitação e da densidade populacional, exercem influência significativa sobre os padrões de deslocamento da população. A grande maioria das cidades brasileiras apresenta um modelo espacial “monocêntrico”. Essa configuração em torno de um único centro urbano resulta em movimentos pendulares intensos entre áreas residenciais e comerciais, especialmente durante os horários de pico, exacerbando os problemas de congestionamento e ineficiência no sistema viário.
A situação mais indicada para otimizar a mobilidade urbana consiste em minimizar a necessidade de longos deslocamentos. A implementação de um planejamento que facilite a proximidade entre residências e atividades diárias não apenas melhora a qualidade de vida dos cidadãos, mas também alivia a pressão sobre a infraestrutura viária existente. Mesmo reconhecendo a importância do aumento da oferta e da qualidade do transporte coletivo, essa seria realmente a solução mais eficiente e sustentável.
Uma estratégia interessante seria estimular o desenvolvimento dos centros de bairro, através de políticas públicas que qualifiquem essas áreas. Incentivos aos serviços e ao comércio local, assim como investimentos em equipamentos de lazer e espaços públicos, geram autonomia para esses subcentros e podem transformar a dinâmica de fluxos da cidade. Quando infraestruturas e serviços estão concentrados em áreas menores, os moradores são incentivados à “mobilidade ativa”, utilizando modos de transporte não motorizados, como a caminhada ou o uso de bicicletas. Esse modelo tem sido adotado em cidades europeias tradicionais, que resistiram a intervenções excessivas na estrutura viária e mantiveram a pluralidade de usos concentrada em pequenos núcleos de seus territórios.
Quanto ao resultado da pesquisa realizada pelo Metrô de São Paulo, uma hipótese a ser considerada é a qualidade do transporte coletivo não ter acompanhado a evolução do transporte privado. No retorno das atividades interrompidas durante a pandemia, os serviços de transporte por aplicativo demonstraram ser mais atraentes, oferecendo maior conforto e segurança a seus usuários. Com isso, os passageiros do transporte público estão gradativamente migrando para esse tipo de serviço, principalmente as motos por aplicativo. No caso de São Paulo, assim como no Rio de Janeiro, o impacto tem sido ainda maior com a presença do “Uber Coletivo”, um serviço oferecido pela Uber que utiliza veículos de maior porte, como vans e micro-ônibus, para transportar passageiros em rotas fixas ou sob demanda.
Somado a isso, a pandemia enfatizou uma tendência preexistente que contribuiu para a redução geral dos deslocamentos: a ascensão do trabalho remoto e das compras online. Embora esse acontecimento tenha diminuído o número de usuários tanto do transporte coletivo quanto o individual, o primeiro tem sido mais afetado por ele. Se essa tendência persistir, é provável que a tecnologia continue a proporcionar opções de deslocamento mais vantajosas que o transporte público, criando um ciclo vicioso que, embora traga benefícios individuais a curto prazo, agravará ainda mais a mobilidade urbana.
Portanto, a solução para os problemas de mobilidade urbana no Brasil não reside apenas em melhorias na infraestrutura viária. É preciso que o poder público exerça um planejamento integrado, em que a mobilidade seja concebida de forma mais articulada aos outros componentes da estrutura urbana. Além disso, me parece urgente agregar tecnologia e inovação aos serviços de transporte coletivo, oferecendo soluções inteligentes que possam torná-lo mais atrativo e eficiente. Somente assim poderemos enfrentar os desafios da mobilidade urbana contemporânea e garantir um futuro mais promissor e sustentável para nossas cidades.
A mobilidade nas cidades brasileiras frequentemente é abordada de forma isolada, com um foco excessivo na infraestrutura viária. As soluções propostas são, em sua maioria, limitadas a melhorias do sistema viário, como túneis, elevados, viadutos e vias expressas; concebidas e coordenadas por engenheiros de tráfego. Embora a expertise técnica desses profissionais seja essencial, a complexidade da mobilidade contemporânea transcende e muito as limitações dessa disciplina. A verdadeira dificuldade reside na falta de um planejamento que integre diferentes aspectos da vida urbana.
Diversos fatores afetam a mobilidade nas cidades, como por exemplo a distribuição das diferentes atividades urbanas no território. A localização dos usos comerciais e de serviços, as opções de lazer, assim como a distribuição da habitação e da densidade populacional, exercem influência significativa sobre os padrões de deslocamento da população. A grande maioria das cidades brasileiras apresenta um modelo espacial “monocêntrico”. Essa configuração em torno de um único centro urbano resulta em movimentos pendulares intensos entre áreas residenciais e comerciais, especialmente durante os horários de pico, exacerbando os problemas de congestionamento e ineficiência no sistema viário.
A situação mais indicada para otimizar a mobilidade urbana consiste em minimizar a necessidade de longos deslocamentos. A implementação de um planejamento que facilite a proximidade entre residências e atividades diárias não apenas melhora a qualidade de vida dos cidadãos, mas também alivia a pressão sobre a infraestrutura viária existente. Mesmo reconhecendo a importância do aumento da oferta e da qualidade do transporte coletivo, essa seria realmente a solução mais eficiente e sustentável.
Uma estratégia interessante seria estimular o desenvolvimento dos centros de bairro, através de políticas públicas que qualifiquem essas áreas. Incentivos aos serviços e ao comércio local, assim como investimentos em equipamentos de lazer e espaços públicos, geram autonomia para esses subcentros e podem transformar a dinâmica de fluxos da cidade. Quando infraestruturas e serviços estão concentrados em áreas menores, os moradores são incentivados à “mobilidade ativa”, utilizando modos de transporte não motorizados, como a caminhada ou o uso de bicicletas. Esse modelo tem sido adotado em cidades europeias tradicionais, que resistiram a intervenções excessivas na estrutura viária e mantiveram a pluralidade de usos concentrada em pequenos núcleos de seus territórios.
Quanto ao resultado da pesquisa realizada pelo Metrô de São Paulo, uma hipótese a ser considerada é a qualidade do transporte coletivo não ter acompanhado a evolução do transporte privado. No retorno das atividades interrompidas durante a pandemia, os serviços de transporte por aplicativo demonstraram ser mais atraentes, oferecendo maior conforto e segurança a seus usuários. Com isso, os passageiros do transporte público estão gradativamente migrando para esse tipo de serviço, principalmente as motos por aplicativo. No caso de São Paulo, assim como no Rio de Janeiro, o impacto tem sido ainda maior com a presença do “Uber Coletivo”, um serviço oferecido pela Uber que utiliza veículos de maior porte, como vans e micro-ônibus, para transportar passageiros em rotas fixas ou sob demanda.
Somado a isso, a pandemia enfatizou uma tendência preexistente que contribuiu para a redução geral dos deslocamentos: a ascensão do trabalho remoto e das compras online. Embora esse acontecimento tenha diminuído o número de usuários tanto do transporte coletivo quanto o individual, o primeiro tem sido mais afetado por ele. Se essa tendência persistir, é provável que a tecnologia continue a proporcionar opções de deslocamento mais vantajosas que o transporte público, criando um ciclo vicioso que, embora traga benefícios individuais a curto prazo, agravará ainda mais a mobilidade urbana.
Portanto, a solução para os problemas de mobilidade urbana no Brasil não reside apenas em melhorias na infraestrutura viária. É preciso que o poder público exerça um planejamento integrado, em que a mobilidade seja concebida de forma mais articulada aos outros componentes da estrutura urbana. Além disso, me parece urgente agregar tecnologia e inovação aos serviços de transporte coletivo, oferecendo soluções inteligentes que possam torná-lo mais atrativo e eficiente. Somente assim poderemos enfrentar os desafios da mobilidade urbana contemporânea e garantir um futuro mais promissor e sustentável para nossas cidades.