Propostas para manter privilégios Reforma da Previdência favorece os políticos, que ainda querem ampliar os próprios benefícios e isentar juízes

Publicação: 25/03/2017 03:00

O governo insiste em dizer que a reforma da Previdência é igual para todos. Mas, na prática, a situação não é bem assim. Algumas categorias profissionais tiveram tratamento especial desde o início, como os militares, que nem sequer entraram na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 287, o que abriu espaço para que as demais atividades de risco também procurassem ser excluídas, já que, atualmente, têm regras diferentes das aplicadas à maioria dos trabalhadores. Outro grupo que tem regras diferenciadas na reforma da Previdência é o dos próprios políticos, a maioria deles defensores da reforma. E integrantes do Judiciário também podem ficar de fora, se for aprovada uma emenda apresentada ao texto que tramita na Câmara.

Na prática, as mudanças não valem para os políticos até que eles façam a própria regra de transição, por meio de lei, depois que a reforma for aprovada. “A PEC diz que, a partir de agora, vale a mesma norma dos demais trabalhadores do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), mas cada ente precisa regulamentar a transição. Então, até que isso seja feito, a reforma não tem como ser colocada em prática para os políticos”, explica o especialista em Previdência Rogério Nagamine, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Mesmo que a regra de transição seja estabelecida, a proposta do governo é que a futura legislação só valha para políticos que ingressarem no cargo a partir da promulgação da reforma, ou seja, os atuais senadores e deputados não entram na reforma da Previdência e seguem intocados, independentemente de idade ou tempo de contribuição. “Os deputados pregam que a reforma é ótima, mas eles mesmos não querem entrar nela”, avalia um consultor legislativo do Senado.

Os parlamentares, no entanto, não estão satisfeitos com o tratamento especial. O objetivo de uma das 164 emendas protocoladas na comissão  é favorecê-los ainda mais. De autoria do deputado Carlos Eduardo Cadoca (PDT-PE), a emenda sugere uma regra de transição: deputados e senadores que tiverem 54 anos ou mais de idade ou, pelo menos, quatro anos de mandato como deputado federal ou oito como senador não entrariam na reforma. De acordo com a emenda, mesmo que não cumpram nenhum desses requisitos, eles podem se aposentar com as regras atuais, desde que paguem um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para a aposentadoria.

A emenda ainda prevê a paridade de remuneração entre aposentados e pensionistas da seguridade parlamentar e membros ativos do Congresso Nacional, ou seja, as aposentadorias dos ex-políticos seriam reajustadas da mesma forma que os salários dos que estão em atividade. O fato de não haver a paridade atualmente é considerado, pelo autor da emenda, uma “injustiça histórica”. A injustiça, na opinião da advogada especialista em Previdência Adriane Bramante, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), é estipular a paridade para os políticos, enquanto nenhum outro servidor público ou trabalhador submetido às regras atuais tem o mesmo privilégio.

Emenda do deputado Lincoln Portela (PRB-MG) pode tornar a reforma da Previdência ainda mais desigual. O parlamentar quer excluir os juízes e os membros do Ministério Público da PEC, da mesma maneira que foi feito com os militares. A justificativa é que inseri-los seria inconstitucional. A atual reforma, segundo ele, “maltrata, mais uma vez, a condição de vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos que deveria proteger as magistraturas contrapoderes políticos contrastados pelas ações dos juízes e tribunais”.

Para o advogado André Bittencourt, vice-presidente executivo da Sociedade Brasileira de Previdência Social (SBPS), que também defende regras iguais para todas as categorias, o governo abriu um precedente ao excluir os militares. “A partir do momento em que o discurso de reforma igualitária não é real, cada grupo começa a trazer as próprias emendas para se defender. Isso explica o volume enorme de emendas”.

“Se fosse para ser justo, só os trabalhadores que ingressassem no mercado de trabalho depois da reforma deveriam ser incluídos nas novas regras, como o que é proposto para os políticos”, observou Adriane. O lema da reforma, na opinião dela, é “faça o que eu falo, mas não o que eu faço”. (Do Correio Braziliense)

Categorias

Disparidade Apesar de o governo alegar que a reforma da Previdência é igual para todos, o texto prevê diferença entre categorias de profissionais.

Políticos

Como é hoje

Os deputados e senadores podem escolher se aposentar pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), gerido pelo INSS, ou pelo PSSC, que é um plano específico para os congressistas

Como fica
Apenas os novos políticos entram no RGPS. Os que já estão com mandatos em curso não entram na reforma. Para valer para os futuros parlamentares, é preciso que o Legislativo edite uma lei explicando a regra de transição

Policiais

Como é hoje

Atividades de risco têm tratamento diferenciado garantido pela Constituição

Como fica
Não muda nada para as Forças Armadas, PMs e bombeiros. O governo diz que haverá uma lei específica para tratar desses profissionais. Para os demais integrantes da segurança pública, como policiais civis e federais, passam a valer as regras gerais

Judiciário

Como é hoje

A categoria se encaixa nas mesmas regras dos servidores públicos pelo RPPS

Como fica
Entraram na reforma e passam a ter as mesmas regras dos demais trabalhadores. Uma emenda do PRB pretende excluir os juízes e membros do Ministério Público da reforma, de modo que eles continuem com as regras atuais, mais generosas

Requistos gerais propostos pelo governo para aposentadoria
  • Ter, no mínimo, 65 anos de idade e 25 de contribuição
  • Para receber o valor integral, é preciso contribuir por 49 anos
  • Todas as mulheres com menos de 45 anos e homens com menos de 50 anos entram nas novas regras
  • As mudanças incluem funcionários públicos e trabalhadores da iniciativa privada
Saiba mais...
Reação das ruas