Campo do Bueirão e de sonhos

Publicação: 05/06/2018 03:00

Quem desce a ladeira da Rua Zilda S. de Santana, logo alcança os portões do Campo do Bueirão. Ali, quem chega para jogar, seja descalço ou com o último lançamento de modelo de chuteira, não precisa desembolsar um valor para se divertir. Em contrapartida, é cobrado respeito aos horários determinados, além do zelo pelo espaço compartilhado por moradores de todos os lugares da Região Metropolitana. Era assim no fim da década de 1950, quando foi fundado pelos funcionários da olaria e dissidentes do Íris, que trocou a Torre por Santo Amaro.

O Bueirão funciona como um símbolo fiel de uma das principais características que acompanham o bairro da Torre desde a sua fundação: a mistura de diversas classes sociais. Antigamente, unindo famílias de classe média, operários e comerciantes que compartilhavam uniformes. Hoje, juntando moradores dos imponentes prédios de fachadas reluzentes aos residentes do modesto Conjunto Habitacional da Torre pintado à mão, mais conhecido como ‘Carandiru’, em referência ao complexo prisional de São Paulo, famoso após o massacre de 111 detentos, em 1992.  

“A gente procura preservar porque isso é nosso, é dos nossos filhos, é dos nossos netos. E a gente bate de frente para ninguém depredar ou pichar. Infelizmente vêm alguns que às vezes contradizem isso, mas a gente faz tudo pra manter esse aspecto”, afirma Maurício Antônio, 52 anos, morador do bairro e administrador do Pelotas Futebol Clube, time atual vice-campeão do campeonato de bairros Recife Bom de Bola, cuja final foi disputada na Arena de Pernambuco e vencida pelo Resenha do Totó.

O Bueirão resiste ao tempo e às investidas da especulação imobiliária. Inúmeros campos de várzea desapareceram do mapa. Os ‘órfãos’ dessa transformação encontram no bairro da Torre um refúgio onde são acolhidos de braços abertos. “Nós recebemos gente de todas as comunidades para jogar aqui. Vem gente de Dois Unidos, do Janga, do Engenho Maranguape, de todas as redondezas”, aponta o administrador do campo, Edson Felipe, de 52 anos, eleito para o cargo por aclamação pelos demais moradores do bairro, que ressalta ainda os torneios realizados pelos próprios peladeiros.

Dentro do Bueirão, a areia serve como nivelador econômico, racial e classista. É o que afirma com orgulho Marx Lima, de 29 anos, formado em Biologia e aluno de doutorado na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, nascido e criado na Torre.

“O campo tem uma importância gigantesca para o bairro. Aqui dentro (do Bueirão) não tem rico ou pobre, preto ou branco. Nada. A gente vem para jogar bola e brincar. O campo tem essa função social de unir a comunidade e formar caráter, porque você aprende a interagir com pessoas de diversas realidades.”