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Onde o futebol raiz ainda resiste
Na contramão da história, o bairro da Torre foi protagonista na profissionalização em Pernambuco e hoje é uma referência para o esporte de várzea
Diego Borges | especial para o diario
Publicação: 05/06/2018 03:00
Toda história precisa de um começo. É impossível conhecer a fundo o futebol pernambucano sem entender sobre as suas raízes, profundamente envolvidas com o desenvolvimento urbano da cidade do Recife, e todo o seu contexto de transformação social, cultural e econômica. E desse processo, o bairro da Torre tem atuação fundamental, muitas vezes como protagonista. Seja como um dos maiores berços do que hoje se define ser o futebol profissional no estado, seja como o maior símbolo de resistência do futebol de várzea - em sua mais pura essência - em Pernambuco.
O bairro da Torre, surgido a partir de um engenho instalado às margens férteis do Rio Capibaribe, desenvolveu-se junto à fundação da Companhia Fiação e Tecidos de Pernambuco em 1874, a primeira fábrica de cotonifício (manufatura de tecidos de algodão) do Recife, acompanhando o começo do processo de industrialização do país. Além de oferecer emprego, a indústria construiu ainda casas para os seus funcionários (prática comum à época). O crescimento demográfico fortaleceu o comércio, pequenos serviços e, claro, áreas de lazer. Entre estas, os inúmeros descampados, ideais para a prática de um esporte que na mesma época atravessou o Atlântico e encontrou no Brasil a sua versão mais astuciosa, maliciosa, e vencedora.
O futebol logo despontou no Recife e o bairro emprestou seu nome a um dos seis primeiros times a jogar o primeiro Campeonato Pernambucano de Futebol da história, disputado em 1915. Além do Torre Sport Clube - conhecido como Madeira Rubra por conta do seu uniforme vermelho de cor viva - também participaram Santa Cruz, Colligação Recifense, Centro Sportivo do Peres, João de Barros (que se tornou América durante a competição) e Flamengo, campeão invicto do certame.
O Torre viveu seu auge na década de 1920, quando se tornaria campeão estadual três vezes, em 1926, 1929 e 1930, e vice em outras quatro temporadas: 1924, 1925, 1927 e 1928. O ano de 1929, além de marcar o único título invicto do clube, também deu ao Madeira Rubra a taça da Copa Torre.
A Copa Torre representa um capítulo à parte no futebol do estado. Naquele tempo, as divergências entre clubes e a Federação eram corriqueiras e vez ou outra uma das agremiações optava por abrir mão do Estadual. Organizada por comerciantes do bairro, a Copa foi realizada entre 1921 e 1942, tendo o próprio Torre como maior vencedor (oito títulos) seguido por Tramways, (seis) e Íris (três).
Íris, Israelita (fundado e restrito à colônia judaica) e Santa Maria também são outros times profissionais que hoje estão extintos, mas tiveram a Torre como sede, sendo o primeiro como o segundo maior clube do bairro, vice-campeão estadual em 1932. Com a alcunha de Azulino, o Íris foi fundado por funcionários da Fábrica de Cerâmica, a Olaria da Torre, teve vida curta entre o ano de 1920 e a década de 1950, quando se transferiu para o bairro de Santo Amaro.
A adoção do futebol como atividade profissional, em meados da década de 1930, foi um divisor de águas para o bairro. Aos poucos, os clubes perderam força e sustentabilidade econômica. No entanto, ao mesmo tempo em que as carteiras profissionais ganhavam tinta em forma de assinatura, os campinhos eram fortalecidos com os atletas que preferiam a várzea. A Torre se firmava como um local de resistência.
De volta às origens
A história seguiu. De um lado os clubes, embrenhando-se profissionalismo adentro, sendo o Tramways, clube da empresa de companhia elétrica britânica, o precursor desse movimento à época. Estádios foram construídos e as equipes contrataram cada vez mais atletas além das fronteiras do estado. Do outro a várzea, oferecendo o esporte em sua essência de atividade lúdica, como lazer antes de tudo, mas seguindo o processo de manufatura de jogadores com talento inigualável àquela época.
Assim como no futebol, a sociedade mudou e a economia também. A indústria têxtil perdeu força no país. Aos poucos, o rodopio das bobinas, o entrecruzado dos fios e o martelar incessante dos carretéis nos salões das fábricas cessaram. Em contrapartida, o rodopio das bolas, o entrecruzado dos dribles e o martelar incessante dos chutes nos campos de terra batida ecoaram.
Na Torre, a proliferação de equipes seguia, agora no âmbito amador. Não muito diferente de antes. “Posso dizer que fui criado em casa, na escola e no campo de pelada. Bastava arrumar duas pedras e formar uma barrinha”, recorda o ex-prefeito do Recife e ex-governador de Pernambuco, Gustavo Krause, 72 anos e morador do bairro desde os onze.
Segundo Gustavo, as dificuldades de jogar naquele ambiente funcionavam como um fator específico para moldar craques. “Era o que chamamos de formação silvestre do jogador. A gente aprendia a cabecear de olho aberto. Sabia onde colocar a bola. Inventávamos desafios de chutar de barra a barra, para fortalecer domínio de bola. Em algumas das regras, canhoto só chutava com a perna direita e o destro, com a esquerda. Isso fazia com que a gente aprendesse os fundamentos e chegávamos no profissional afiados”, afirma.
Esses atributos levaram muitos jogadores migrar dos terrões aos clubes. Peladeiros do bairro da Torre como Gilson Pé-de-Bombo, Adilson, e outros tantos, entre eles Gustavo Krause, também marcaram época no futebol profissional. “Eu fui jogar no Sport em 1963. Levado pelo professor de Educação Física Alexandre Borges, que considero como maior formador de atleta que vi na vida. Era discípulo de Umberto Cabelli, que também revolucionou o trabalho físico em Pernambuco”, conta Krause.
O bairro da Torre, surgido a partir de um engenho instalado às margens férteis do Rio Capibaribe, desenvolveu-se junto à fundação da Companhia Fiação e Tecidos de Pernambuco em 1874, a primeira fábrica de cotonifício (manufatura de tecidos de algodão) do Recife, acompanhando o começo do processo de industrialização do país. Além de oferecer emprego, a indústria construiu ainda casas para os seus funcionários (prática comum à época). O crescimento demográfico fortaleceu o comércio, pequenos serviços e, claro, áreas de lazer. Entre estas, os inúmeros descampados, ideais para a prática de um esporte que na mesma época atravessou o Atlântico e encontrou no Brasil a sua versão mais astuciosa, maliciosa, e vencedora.
O futebol logo despontou no Recife e o bairro emprestou seu nome a um dos seis primeiros times a jogar o primeiro Campeonato Pernambucano de Futebol da história, disputado em 1915. Além do Torre Sport Clube - conhecido como Madeira Rubra por conta do seu uniforme vermelho de cor viva - também participaram Santa Cruz, Colligação Recifense, Centro Sportivo do Peres, João de Barros (que se tornou América durante a competição) e Flamengo, campeão invicto do certame.
O Torre viveu seu auge na década de 1920, quando se tornaria campeão estadual três vezes, em 1926, 1929 e 1930, e vice em outras quatro temporadas: 1924, 1925, 1927 e 1928. O ano de 1929, além de marcar o único título invicto do clube, também deu ao Madeira Rubra a taça da Copa Torre.
A Copa Torre representa um capítulo à parte no futebol do estado. Naquele tempo, as divergências entre clubes e a Federação eram corriqueiras e vez ou outra uma das agremiações optava por abrir mão do Estadual. Organizada por comerciantes do bairro, a Copa foi realizada entre 1921 e 1942, tendo o próprio Torre como maior vencedor (oito títulos) seguido por Tramways, (seis) e Íris (três).
Íris, Israelita (fundado e restrito à colônia judaica) e Santa Maria também são outros times profissionais que hoje estão extintos, mas tiveram a Torre como sede, sendo o primeiro como o segundo maior clube do bairro, vice-campeão estadual em 1932. Com a alcunha de Azulino, o Íris foi fundado por funcionários da Fábrica de Cerâmica, a Olaria da Torre, teve vida curta entre o ano de 1920 e a década de 1950, quando se transferiu para o bairro de Santo Amaro.
A adoção do futebol como atividade profissional, em meados da década de 1930, foi um divisor de águas para o bairro. Aos poucos, os clubes perderam força e sustentabilidade econômica. No entanto, ao mesmo tempo em que as carteiras profissionais ganhavam tinta em forma de assinatura, os campinhos eram fortalecidos com os atletas que preferiam a várzea. A Torre se firmava como um local de resistência.
De volta às origens
A história seguiu. De um lado os clubes, embrenhando-se profissionalismo adentro, sendo o Tramways, clube da empresa de companhia elétrica britânica, o precursor desse movimento à época. Estádios foram construídos e as equipes contrataram cada vez mais atletas além das fronteiras do estado. Do outro a várzea, oferecendo o esporte em sua essência de atividade lúdica, como lazer antes de tudo, mas seguindo o processo de manufatura de jogadores com talento inigualável àquela época.
Assim como no futebol, a sociedade mudou e a economia também. A indústria têxtil perdeu força no país. Aos poucos, o rodopio das bobinas, o entrecruzado dos fios e o martelar incessante dos carretéis nos salões das fábricas cessaram. Em contrapartida, o rodopio das bolas, o entrecruzado dos dribles e o martelar incessante dos chutes nos campos de terra batida ecoaram.
Na Torre, a proliferação de equipes seguia, agora no âmbito amador. Não muito diferente de antes. “Posso dizer que fui criado em casa, na escola e no campo de pelada. Bastava arrumar duas pedras e formar uma barrinha”, recorda o ex-prefeito do Recife e ex-governador de Pernambuco, Gustavo Krause, 72 anos e morador do bairro desde os onze.
Segundo Gustavo, as dificuldades de jogar naquele ambiente funcionavam como um fator específico para moldar craques. “Era o que chamamos de formação silvestre do jogador. A gente aprendia a cabecear de olho aberto. Sabia onde colocar a bola. Inventávamos desafios de chutar de barra a barra, para fortalecer domínio de bola. Em algumas das regras, canhoto só chutava com a perna direita e o destro, com a esquerda. Isso fazia com que a gente aprendesse os fundamentos e chegávamos no profissional afiados”, afirma.
Esses atributos levaram muitos jogadores migrar dos terrões aos clubes. Peladeiros do bairro da Torre como Gilson Pé-de-Bombo, Adilson, e outros tantos, entre eles Gustavo Krause, também marcaram época no futebol profissional. “Eu fui jogar no Sport em 1963. Levado pelo professor de Educação Física Alexandre Borges, que considero como maior formador de atleta que vi na vida. Era discípulo de Umberto Cabelli, que também revolucionou o trabalho físico em Pernambuco”, conta Krause.