Exército do bem contra a violência Projetos sociais que sobrevivem de doações ajudam a evitar que crianças e adolescentes tenham contato com as drogas e a criminalidade. O Diario conferiu ações de três comunidades: Alto José do Pinho, Jordão e Ilha do Retiro

Wagner Oliveira
wagneroliveira.pe@dabr.com.br

Publicação: 30/08/2015 03:00

O serralheiro Josiel Trajano, o mestre Caica, mantém o projeto social Taekwondo Solidário, no Jordão Alto (RAFAEL MARTINS/ ESP. DP/ D. A. PRESS)
O serralheiro Josiel Trajano, o mestre Caica, mantém o projeto social Taekwondo Solidário, no Jordão Alto

lincoln Douglas Bezerra, 17 anos, morador do Jordão Alto, Zona Sul do Recife, é uma exceção às estatísticas recentes publicadas pelo Mapa da Violência. Desde os oito anos, ele passou a fazer parte de um projeto que anda na contramão da violência no estado, onde 2.439 homicídios foram registrados do início do ano até o último dia 25. Num trabalho de pouca projeção, um exército quase invisível luta para tentar mudar esse cenário. Projetos sociais que sobrevivem de doações dão exemplos de que é possível promover mudanças. As ações estão evitando que crianças e adolescentes tenham contato com as drogas e a criminalidade, oferecendo a eles espaços onde podem brincar, estudar e praticar esportes. “O projeto é muito importante não apenas para mim, mas para outros jovens da comunidade. A gente aprende um esporte e fica longe do que é errado”, defendeu Lincoln. Segundo o Mapa da violência publicado em junho, os homicídios representam quase metade das causas de morte entre jovens de 16 e 17 anos.

O estudo elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo revelou que 46% dos jovens mortos nessa faixa de idade foram assassinados. O levantamento mostrou ainda que 93% das vítimas são homens. Outros perfis que se destacam são de escolaridade e cor. Homens negros morrem três vezes mais que os homens brancos, e as vítimas com baixa escolaridade são maioria.

“Precisamos fazer alguma coisa para evitar que esses meninos e meninas não entrem na criminalidade. Todo o esforço é válido para dar um futuro melhor aos nossos jovens”, ponderou o serralheiro Josiel Trajano, o mestre Caica, que mantém o projeto social Taekwondo Solidário, no bairro do Jordão Alto.

Em 2013, o Brasil registrou 10.136 assassinatos de jovens entre 11 e 19 anos, em média 28 mortos por dia, o que equivale a 3,5 chacinas da Candelária praticadas diariamente, de acordo com Julio Jacobo, que é coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). A chacina da Candelária ocorreu em 23 de julho de 1993, deixando mortos oito jovens de 11 a 19 anos, em frente à Igreja da Candelária, no centro do Rio. “Os índices de violência nesta faixa etária (11 a 19 anos) cresceram drasticamente. Entre 1993 e 2013, praticamente quadruplicaram os níveis de violência. A chacina da Candelária foi a ponta de um iceberg que já existia no Brasil”, disse o sociólogo, ao participar da abertura da audiência pública Jovens Vítimas da Violência e Justiça Reparadora para os Familiares, na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio, no final do mês passado.

A grafiteira Jouse Barata, coordenadora da ONG Cores do Amanhã, no Totó, há sete anos desenvolve trabalhos com crianças e jovens do bairro. Ela conta que o projeto tem como foco impedir que os jovens tenham contato com o mundo do crime. “Aqui temos várias atividades, a capoeira é apenas uma delas. O número de pessoas que participam das aulas é tão grande que às vezes as rodas de capoeira precisam ser realizadas no meio da rua”, ressaltou Jouse. Doações para a ONG podem ser acertadas pelo número 98876-3593. O grupo também realiza trabalhos de grafitagem em toda a Região Metropolitana do Recife.

 

Ilha do Retiro
A esperança que nasce dos livros

 

Nos becos e ruas da comunidade Caranguejo-Tabaiares, Ilha do Retiro, Cleonice da Silva é cumprimentada por todos. Preocupada com o futuro das crianças e adolescentes, resolveu montar um espaço que pudesse oferecer opções de leitura aos moradores. Há nove anos, a Biblioteca Caranguejo-Tabaiares desperta o gosto da leitura. “Assim ficamos menos tempo na rua”, destacou a estudante Ana Karolina Santos, 15.

Aos 12 anos, Kaylane Larissa Pereira já sabe que quer ser dentista. Desde os sete anos, frequenta a biblioteca. “Eu gosto de ler os gibis da Mônica e os livros de romance. Quando levo um livro para minha casa, geralmente termino de ler em uma semana”, confidenciou a estudante. A biblioteca que sobrevive de doações fica na Rua Campo Tabaires, 203, numa casa alugada. Um novo local está sendo construído na comunidade.

“Quando tivemos a ideia de abrir a biblioteca era uma maneira de fazer os meninos e meninos passarem a ter mais interesse pela leitura. É também uma forma de ocupar as crianças e os jovens para que eles não tenham tempo de ficar pensando em fazer besteiras”, ressaltou Cleonice, que coordena o trabalho junto com o amigo Reginaldo Pereira. O telefone da biblioteca é o (81) 3077-2535.

 

Alto José do Pinho
Autoestima que vem do morro

 

Conhecido como um polo cultural, o Alto José do Pinho é cenário de um projeto que eleva a autoestima de estudantes. O Centro Social Dom João Costa, mantido com doações e o apoio do Colégio Damas, realiza oficinas, cursos profissionalizantes, campeonatos, seminários e palestras. “O Centro Social também participa diretamente da vida desses jovens com apoio psicológico e acompanhamento familiar”, pontuou o gerente de projetos sociais, Renato Carneiro.

Davidson Anthony da Silva, 11, aprendeu a tocar trompete com no centro. Ele pretende ser médico, mas enquanto isso aproveita as aulas de música. “Estudo pela manhã e à tarde venho para o centro. Aqui eu fico longe das drogas e das coisas erradas. Acho muito legal participar dos ensaios da orquestra”, contou.

Ivanilson dos Santos Azevedo, 14, conheceu o Centro Social através do convite de um primo e hoje está tocando sax-tenor. “O tempo que eu passo aqui no ensaio da orquestra é muito importante para mim. É a melhor hora do meu dia. Esse projeto ajuda as crianças e adolescentes como eu a não estar envolvido com coisas erradas”, destacou o estudante. O telefone do centro para quem tiver interesse em ajudar é o 3441-2726. O espaço atende ainda adultos no horário da noite. 

 

Jordão Alto 
As vidas que se reinventam no esporte

 

É na quadra descoberta do Jordão Alto, Zona Sul, que crianças e adolescentes encontram espaço para aprender taekwondo. O projeto Taekwondo Solidário, coordenado pelo serralheiro Josiel Trajano, o mestre Caica, tem atraído meninos e meninas que querem aprender uma arte macial e ficar longe da criminalidade. “Minha preocupação é não deixar eles desocupados para não ter tempo de pensar em drogas ou crimes. Por isso damos orientações e cobramos que estejam frequentando a escola e com notas boas”, ponderou mestre Caica.

Rafaela Cunha, 15, está no projeto há um ano. “O mestre também aconselha a gente a não ficar perto das drogas”, contou. A dona de casa Maria Gorete da Silva, 53, acompanha o filho no José Kleiton Bezerra, 14, no treino. “Gosto do trabalho do professor porque ele ensina as coisas boas aos meninos e também cobra que eles façam a coisa certa.”

Elisângela Oliveira do Nascimento, 31, vem de Prazeres, em Jaboatão, para trazer o filho Emanoel Rodrigues Santos, 8, ao treino. “Ele é especial e melhorou muito o desenvolvimento depois que começou aqui no taekwondo”, ressaltou Elisângela. Para entrar em contato com o mestre Caica e ajudar cim doações para o projeto basta telefonar para 98829-5737.