Caindo na folia muito antes do frevo Primeiras manifestações carnavalescas de Pernambuco datam do século 17. Diferentes costumes incorporam-se à festa ao longo dos séculos

Anamaria Nascimento
anamaria.nascimento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 25/02/2017 03:00

Das festas em clubes de frevo com máscaras, confetes e serpentina à folia que lota as ruas do Recife e ladeiras de Olinda, pouco mudou no carnaval pernambucano. Ainda hoje os festejos carregam muitas marcas do início de sua história, no século 19, quando, após a abolição da escravatura, em 1888, as autoridades permitiram que surgissem as primeiras agremiações carnavalescas, formadas por operários urbanos nos antigos bairros comerciais.

Os primeiros sinais dos clarins de Momo no estado surgiram no século 17, quando trabalhadores das Companhias de Carregadores de Açúcar e das Companhias de Carregadores de Mercadorias se reuniam para a Festa de Reis, formando cortejos carregando caixões de madeira e improvisando cantigas em ritmo de marcha. Só no século 19 a festa se popularizou e começou a tomar o formato que conhecemos.

Em 1887, foi fundado o Club dos Caiadores, a primeira agremiação carnavalesca de que se tem notícia no estado. A edição de 17 de fevereiro daquele ano do Diario divulgou a novidade nos festejos. “Nota Oficial - Club Carnavalesco Caiadores de 80 anos. O clube acima mencionado, desejando dar mais distração ao respeitável público, nos três dias de festa carnavalescas, vem pela imprensa cientificar que neste três dias percorrerá em toda ordem as ruas desta cidade. O mesmo pede aos moradores da Rua da Senzala Nova (Domingos José Martins) que à noite iluminem as frentes de suas casas, ficando desde já agradecido pelo merecimento que espera ter”, publicou o jornal.

A pesquisadora e diretora de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundação Joaquim Nabuco, Rita de Cássia Araújo, explica que durante o período colonial, a festa acontecia nos três dias antes da quaresma e era denominada de entrudo, palavra originária do latim que significa “introdução”, referindo-se ao período que introduz o tempo da quaresma. “O carnaval seria, assim, ‘os dias gordos’, tempos da abundância de vinho, carne e sexo. No Brasil, este calendário oficial da festa carnavalesca permanece praticamente inalterado”, pontuou.

Ao longo do tempo, uma série se incorporarou à festa. Por volta dos anos 1850, o sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes, o Zé Pereira, reuniu amigos e brincou pelas ruas do Rio de Janeiro ao som de bumbos, zabumbas e tambores em um sábado. Era o que faltava para “aumentar” os festejos em mais um dia. Surgia, assim, o Sábado de Zé Pereira.

“É importante também registrar que foi na década de 1870 que se começou, ainda timidamente, a se configurar um determinado modo predominante de os grupos se organizarem e participarem dos festejos carnavalescos. Falo especificamente sobre as agremiações carnavalescas com toda a sua variedade de músicas, danças, símbolos e insígnias, indumentárias, ornatos e adereços”, enfatizou a pesquisadora.

Nos últimos anos, a tendência no carnaval pernambucano é a criação de blocos “engajados”. Contra o racismo, a homofobia, o sexismo e até em protesto à verticalização do Recife, as agremiações mais recentes trazem temas políticos por trás, como fez o Eu Acho é Pouco nos anos 1970 para os foliões se manifestarem contra a ditadura militar.

“O carnaval reflete e expressa diferenças, tensões e conflitos que estão presentes no cotidiano. Assim, a vivência do carnaval enquanto prática social pelas diferentes classes sociais e grupos étnicos e raciais, portadores de traços culturais próprios, carrega sempre em si um ato ou um gesto político, intencional ou não, consciente ou não. Quando um grupo social ocupa um espaço público que cotidianamente lhe é negado, isso é um ato político. Quando se busca o reconhecimento social do outro pelos valores e culturas próprios ao grupo, isso também é ato político”, destacou  Rita de Cássia.

Oito frevos inesquecíveis do carnaval de Pernambuco
O pesquisador fonográfico Renato Phaelante, membro da Academia Pernambucana de Música, listou para o Diario as oito músicas mais marcantes, que fizeram história no carnaval pernambucano. Confira:

1 Fogão
“Esse frevo já era conhecido por quase todas as bandas de música do Recife e do interior do estado antes mesmo de ser gravado em 1950. É, em minha opinião, um frevo tão importante quanto Vassourinhas.”

2 Vassourinhas
“É um frevo de rua, composto por Joana Batista e Mathias da Rocha. Trata-se do popular pelo Brasil a fora e o mais tocado em todo o mundo.”

3 Último Dia
“Frevo de um dos mais importantes compositores do nosso carnaval, músico competente, de alta qualidade, Levino Ferreira, que foi das orquestras do maestro Nelson Ferreira e da pioneira Rádio Clube de Pernambuco.”

4 Corisco
“Frevo de rua do músico e compositor Lourival Oliveira, autor de vários frevos.”

6 Recife (ou Frevo nº1 do Recife)
“Do compositor Antônio Maria, traz em sua letra uma saudade imensa do Recife, do seu folclore, das suas tradições e dos seus tipos populares, com os quais o poeta conviveu.”

7 Voltei, Recife
“Outro frevo canção que marca a competência de um dos grandes compositores da MPB, Luiz Bandeira. É outro momento de saudade de um pernambucano, distante de sua terra, sentindo falta de sua gente e do seu carnaval. Este frevo serviu de fundo para uma campanha política no estado.”

8 Bom Demais
“Frevo de J. Michiles, compositor se destaca como um dos mais importantes na história do frevo canção. É documento da década de 1980 e provoca o maior alvoroço no carnaval, principalmente em Olinda.”

Linha do Tempo

1887

Surge o Club dos Caiadores, o primeiro clube carnavalesco de que se tem notícia em Pernambuco.

1888

Fundação da agremiação Pás Douradas, como Bloco das Pás de Carvão, por um grupo de carvoeiros do Porto do Recife no dia 19 de março.

1889

No dia 6 de janeiro, é fundado, no bairro de São José, no Recife, da agremiação Vassourinhas.

1907

Em 9 de fevereiro, a palavra frevo é publicada pela primeira vez, pelo jornalista Osvaldo da Silva Almeida marcando o nascimento simbólico do ritmo

1915

No dia 15 de setembro, é fundado o Bola de Ouro, na Rua da Bola, em Santo Amaro, tendo como símbolo uma bola dourada.

1916

Fundação, no dia 16 de março, da troça carnavalesca Pão Duro por um grupo de amigos do Pina.

1931

O Clube Carnavalesco de Alegoria e Crítica O Homem da Meia-Noite é criado no dia 2 de fevereiro.

1947

Fundação, em 17 de fevereiro, da Pitombeira dos Quatro Cantos.

1962

O garçom Izaías Pereira da Silva, o Batata, cria a agremiação Bacalhau do Batata, para que os trabalhadores brincassem na quarta-feira de cinzas.

1974

Pela primeira vez na rua, o Bloco da Saudade desfilou no bairro do Cordeiro, ainda sem o abre-alas.

1977

Criação do Grêmio Lítero Recreativo Cultural Misto Carnavalesco Eu Acho é Pouco por amigos que queriam se manifestar contra a ditadura militar.

1978

Criação, em 24 de janeiro, do Galo da Madrugada, no bairro de São José, por um grupo de amigos capitaneado pelo carnavalesco Enéas Freire.

1995

Primeiro ano do bloco Enquanto Isso, na Sala da Justiça, com apenas 100 pessoas. A maioria se veste de super-herói.

2004

O I Love Cafusú é criado por um grupo de amigas que, sem saber do que se fantasiar no carnaval, resolveu abusar de um figurino sensual e extravagante.

2014

A Troça Carnavalesca Mista Público-Privada Empatando Tua Vista surge como um “ato político-folião crítico à verticalização excessiva”.

2015

Um grupo de feministas lança o Grêmio Anárquico Feminazi Essa Fada, numa alusão à fantasia de fada, que brinca com imaginário sexista.

2016
A troça olindense Bumba meu Bowie desfila pela primeira vez, em homenagem o falecido cantor inglês David Bowie.

Fontes: Arquivo DP e Fundação Joaquim Nabuco