Um crime estudado de forma minuciosa Bandidos alugaram galpão onde arquitetaram invasão à Brinks. Havia mapa completo da região

Thamires Oliveira
Especial para o Diario
Local@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 22/02/2017 03:00

Polícia vai investigar material encontrado para tentar entender funcionamento do grupo criminoso (Paulo Paiva/ DP)
Polícia vai investigar material encontrado para tentar entender funcionamento do grupo criminoso

Um fuzil de fabricação russa, uma metralhadora capaz de derrubar aeronaves, um carro blindado e mais de 800 munições deixadas para trás. Os equipamentos usados na investida criminosa contra a Brinks dão ideia da especialização da quadrilha responsável por um dos crimes mais cinematográficos da história de Pernambuco. Para ter acesso à transportadora sem serem incomodados, os bandidos montaram cinco pontos de bloqueio na região, em apenas um dos passos premeditados da investida. De formato extremamente parecido com o de ações criminosas realizadas em São Paulo, o assalto à empresa foi realizado a partir da articulação de criminosos que assumiram funções definidas, como motoristas e atiradores.

O bando tomou a região de assalto na madrugada de ontem, mas sua presença na região teve início pelo menos uma semana antes, quando a quadrilha, ou parte dela, ocupou um galpão na Rua Doutor Gustavo Pinto, em Jardim São Paulo. Antigo armazém de construção, a edificação foi posta para aluguel há seis meses. Segundo os moradores do entorno, a faixa com o número do proprietário foi retirada há uma semana, mas a movimentação era discreta.

No local, foi encontrado o mapa usado para estudar a região, fardos de água mineral, roupas com estampa de camuflagem, luvas, latas de spray, máscaras de gás, maçaricos, energéticos, toucas clava bala, rádios comunicadores, coturnos, carregadores de celular e de bateria, ferramentas de carro e munições de fuzis 556 e 762 e de pistola 9 milímetros.

O prédio fica a cerca de dois quilômetros da transportadora Brinks. O bando utilizava apenas o vão principal do galpão e o estacionamento. Segundo os moradores do entorno, quase não se via movimentação no local e as portas estavam sempre fechadas. Alguns notaram apenas o cheiro forte de tinta, provavelmente gerado pelo spray preto que os bandidos utilizaram para camuflar um dos carros usado no crime.

Na manhã de segunda-feira, por volta das 6h, um homem desconhecido pela vizinhança bateu à porta da casa de um morador da rua, pedindo uma chave de fenda emprestada para consertar o carro que, segundo ele, estaria quebrado na avenida. O morador, que não quis se identificar, desconfiou da atitude do homem e não abriu a porta.

“Ele estava descalço, com uma camisa regata, bermuda com estampa de camuflagem e tinha um sotaque diferente do nosso aqui do Nordeste. Eu disse que não tinha, que não era oficina aqui, era uma residência e eu não podia ajudar. Pela situação e o jeito como ele veio bater na minha porta foi muito estranho. Depois disso não vi mais nada”, relatou.

Outro morador da mesma rua descreveu a movimentação no local como ‘cuidadosa e clara’. Segundo ele, alguns carros eram vistos apenas de madrugada entrando no local e frequentemente um homem sentava em frente ao portão. “Era algo muito simples, nunca notamos nada. Não podíamos imaginar que uma quadrilha se instalaria ao lado da nossa casa. Estamos apavorados”, disse. O morador pediu para não ser identificado.

Objetos foram levados para análise científica (Paulo Paiva/ DP)
Objetos foram levados para análise científica
O material apreendido no local foi encaminhado para a perícia. Garrafas de água e latas de spray podem conter fragmentos de digitais que podem identificar os suspeitos.

A organização das quadrilhas

Motoristas: transportam membros do bando e equipamentos
Especialistas: cuidam do uso dos explosivos
Atiradores: disparam para intimidar e evitar reação
Carregadores: levam malotes aos veículos

O que os bandidos deixaram para trás

Carros e acessórios:

2 caminhões Ford F-400
1 Vectra blindado
2 caminhonetes Hilux
1 Ford Ka e outros carros
3 cilindros de oxigênio
50 metros de cordel
15 carregadores de baterias
1 maçarico
Máscaras
Coturnos
Uniformes do Exército

Armas e explosivos
1 fuzil AK-47 de fabricação russa
3 petardos (projétil de aço maciço usado para arrombar portões de fortificações)
16 carregadores

Munição

49 munições de pistola 9mm
138 de fuzil calibre 556
3 de metralhadora calibre .50
24 de espingarda calibre 12
652 de fuzil calibe 762

As armas da quadrilha (com base na munição encontrada)

Metralhadora .50

Capaz de derrubar aeronaves e furar as mais espessas blindagens
38 kg
1,6 metro de comprimento
750 a 850 tiros por minuto
2,5 km de alcance máximo
3,2 mil km/h de velocidade

Fuzil 762
4,9 kg a 6 kg de peso quando carregado
1,1 metro de comprimento
650 a 700 tiros por minutos
3 mil km/h de velocidade
200 a 600 metros de alcance efetivo
20 tiros de carregamento

Fuzil 556
3,4 kg carregado
85 cm de comprimento
650 a 750 disparos por minuto
3.312 km/h de velocidade
600 metros de alcance efetivo
30 munições de carregamento
Também usado pela polícia

Fuzil AK-47
4,3 kg quando carregado
87 cm de comprimento
600 tiros por minuto
2.574 km/h por hora de velocidade
300 metros de alcance
90 tiros de carregamento máximo

Espingarda calibre 12
3,2 kg sem acessórios
1,1 metro de comprimento
8 tiros de carregamento máximo
Altíssimo poder de destruição
Também usado pela polícia

Pistola 9 mm
1,5 kg quando carregada
21 cm de comprimento
18 cartuchos de capacidade
600 tiros por minuto

Pistola .40
975 gramas
21,7 centímetros
100 metros de alcance
80 a 1,2 mil tiros por minuto
16 balas de carregamento máximo
Também usado pela polícia

Em 2016, terror em São Paulo
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Como a ação aconteceu*:

* De acordo com relatos de testemunhas e informações divulgadas pela polícia.
  • Pouco antes das 3h, um bloqueio do BPTran estava montado na Avenida Recife, após o cruzamento com a Avenida João Cabral de Melo Neto, no sentido Boa Viagem.
  • Um caminhão-baú passa no sentido contrário ao bloqueio do BPTran acompanhado de duas caminhonetes. Dez homens descem do caminhão-baú e trocam tiros com os policiais da blitz. As caminhonetes seguem em direção à Brinks.
  • A investida tem início em uma loja de conveniência de um posto de combustíveis, de onde a quadrilha teve acesso ao prédio da empresa de segurança.
  • Moradores dos bairros da Estância, Caçote, Areias, Jardim São Paulo, Ibura, Barro, Mangueira e Jiquiá começam a ouvir tiros e explosões.
  • A Polícia Militar chega ao local com reforço do Batalhão de Radiopatrulha e da Cioe. Houve troca de tiros com os integrantes da quadrilha.
  • A polícia localiza o galpão, na Rua Doutor Gustavo Pinto, usado como base pelo grupo, onde materiais usados na investida foram encontrados.
  • Sete carros foram abandonados pela quadrilha e outros cinco incendiados nas imediações do local do crime.
  • Grampos foram usados nas ruas dos arredores para dificultar a chegada da polícia.
  • Por volta das 8h30, interdições feitas pelos criminosos nas ruas da Zona Oeste do Recife ainda geravam impacto no trânsito das avenidas Recife e Sul além da Ponte do Jiquiá.
  • Por volta das 9h, o governador Paulo Câmara confirma que cancelou agenda em São Paulo e que vai retornar ao Recife após a ação dos criminosos na Zona Oeste da cidade.
  • Equipe da Delegacia de Repressão aos Roubos e Furto afasta risco de explosão no posto de combustível localizado nas proximidades da Brinks após fechar registro de gás.
  • Governador Paulo Câmara desembarca no Recife após retornar de viagem a São Paulo em caráter de emergência.
  • Às 17h, a Polícia Civil realiza coletiva de imprensa para informar detalhes da operação.
A guerra aos ladrões de bancos
  • 7 equipes policiais integram a força-tarefa de combate ao crime contra instituições financeiras
  • 17 quadrilhas foram desarticuladas pela polícia em 2016
  • 137 criminosos foram presos
  • 148 investidas contra agências bancárias no estado
  • 15 municípios atacados, além de Fernando de Noronha, segundo sindicato
  • 22 investidas contra bancos e carros-forte no estado, entre 3 de janeiro e 20 de fevereiro de 2017, segundo o Sindicato dos Bancários