'O que ganho no tráfico, guardo uma parte no meu cofre'

Publicação: 24/06/2017 03:00

A agilidade é moeda valiosa no esquema de tráfico de drogas. Assim como em qualquer comércio, é a desenvoltura do vendedor que vai definir os ganhos do dia. Não basta somente estar atento à aproximação da polícia. Quem vende entorpecente precisa correr contra o tempo para atender à clientela. Desde os 14 anos, Artur sabe bem como é essa rotina. Morador da periferia do Recife, o adolescente, agora com 16 anos, diz ser o mais rápido da boca de fumo onde vende maconha. “Quem mais vende lá sou eu. Sou o mais rápido. Tem dia que vendo quatro bolsas com 60 ‘dola’ cada uma. Precisa ser rápido para a polícia não pegar a gente”, conta.

Diferentemente dos colegas da comunidade, Artur não usa o dinheiro que recebe do tráfico para sustentar a família. Ele tem sonhos. Pretende realizá-los. “Na vida errada, tem que ser assim mesmo, tem que traficar. Se não como é que a pessoa vai ter as coisas? Mas eu penso em trabalhar, casar e formar uma família. Também quero ser cabeleireiro. O que eu ganho no tráfico, guardo uma parte no meu cofre e o resto gasto no brega. Tô juntando dinheiro pra comprar uma moto.”

Os dois anos dedicados à venda da maconha fizeram o adolescente aprender as regras da rua. A família não sabe o que ele faz quando está fora de casa. Matriculado numa escola a 15 minutos de onde mora, Artur quase nunca vai às aulas no horário noturno. Prefere a venda do entorpecente. “Quero sair dessa vida. Já cansei. Já fui ameaçado de morte, fiz muitas coisas erradas. Eu era uma peste. Agora, tô só traficando”. A facilidade em ganhar dinheiro, mesmo correndo perigos, escraviza os jovens vendedores.

O adolescente explica como é o funcionamento do ponto onde comercializa maconha e crack com mais dois amigos. “A gente vende pelos becos e vielas. Cada um tem seu ponto estratégico. Fica um na entrada do beco, um no final e o que vende fica na metade. Porque se chegar polícia a gente tem como ganhar pinote”, relata. A maconha é o produto preferido dos compradores, mas Artur conta que o crack é o que tem mais saída durante a madrugada. “Vem muita gente de fora do bairro para comprar, mas carro não chega perto de onde a gente fica e o crack não é muito procurado de dia”, explica.

A construção da personalidade de um adolescente autor de atos infracionais surge de uma reunião de fatores, diz o psicólogo Paulo Teixeira, lotado na Coordenadoria da Infância e Juventude do TJPE e nas promotorias de Infância e Juventude da Capital do Ministério Público de Pernambuco. “O envolvimento de adolescentes com as infrações vai desde o contexto social onde estão inseridos até a escola, a ausência do direito à cultura e ao lazer, as relações interpessoais com os amigos, família e as pessoas de referência. Além disso, têm os aspectos da personalidade de cada adolescente. Tudo isso faz parte dessa formação.”