OS SOLDADOS » 'Bora, Perdeu. É um assalto!' Jovens detalham participação nas infrações, mas também revelam seus sonhos e os momentos de insegurança

Publicação: 24/06/2017 03:00

Débora surge entre palafitas. Seu lar desde criança. Naquele trecho da capital, os becos sem calçamento ofertam convites tentadores a crianças e adolescentes. Débora, vez por outra, aceita. Tem sido assim desde os 14 anos. Foi quando lançou pela primeira vez: “Bora, perdeu. É um assalto!”.

No último roubo, a adolescente trouxe o suficiente para fazer a própria festa de aniversário. Acabara de completar 17 anos. A comemoração não vingou. Mataram um parente no mesmo dia.

Débora nunca está só quando decide assaltar. Sempre vai com dois ou três colegas. Geralmente homens. “Da primeira vez, fui com nada na mão. Depois, pegava uma sandália preta e a pessoa pensava que era um revólver. Também já usei cabo de guarda-chuva. Outro dia fui de faca. Mas nunca roubei de revólver.”

No seu quarto, Débora tem celular e computador bons ofertados pela mãe. “Não precisava nem roubar”, diz. Mas os becos chamam, convidam para dar um “pega” na maconha. Fazer uns assaltos. “Meu Deus! Por que faço isso? Esses meninos influenciam muito. Um dia veio uma colega arribada dizendo: bora roubar? Falei para minha mãe. Sempre ela pede para eu me afastar. A minha cabeça diz: vai, vai. O coração diz que não. E o amigo diz: vai, vai”.

Débora respira a violência de perto desde pequena. É assim com a maioria dos moradores da favela onde mora. Sempre assistiu familiares e amigos usando drogas, roubando, fazendo “avião” para ganhar R$ 100 por viagem. Já foi flagrada pela polícia, apanhou. Mas algo na fala final da adolescente destoa. É luz para quem deseja enxergar melhor as comunidades carentes. “Tenho vontade de jogar futebol. Alguma coisa que mude minha história. Esse negócio de droga, roubar, pegar coisa de mãe e pai de família que trabalha tanto não dá. Meu sonho também era ser cuidadora de bebê. Toda criança, quero cuidar. Boto pra dormir.”

Nos quatro primeiros meses do ano, 12 meninas com menos de 18 anos foram assassinadas no estado, o que representa 6% das mortes nessa faixa etária. Parte delas, por conta de envolvimento com atos infracionais. “É importante pensar a condição da menina. Elas são duplamente exploradas, ora pelos namorados, ora pelos agentes públicos. Muitas entram no mundo do crime para fugir da violência doméstica. Outras estão em situação de rua e podem assumir até um papel de líder. É importante desconstruir o mito de que elas estão à margem do poder do homem ou do adulto”, pontua Humberto Miranda, professor da UFRPE e coordenador do Laboratório de História das Infâncias do Nordeste.