'O tempo que eu perco na escola, deixo de atender clientes na boca'

Publicação: 24/06/2017 03:00

O encontro com as drogas aconteceu nas escadarias do bairro recifense onde Marcelo mora desde o nascimento. Tinha 14 anos quando começou a observar os colegas fumando maconha. Via também a facilidade de circulação de dinheiro entre vendedores e compradores do entorpecente. Não demorou para decidir entrar naquele mundo. Hoje, tem 16 anos. É traficante de drogas e assaltante de casas lotéricas e mercadinhos. Só não assalta “pai de família”. Porque esse trabalha para sustentar a casa, justifica.

O levantamento da área a ser assaltada dura meses. É preciso saber se há policiais fazendo a segurança. O embate, nesses casos, é perigoso. “A gente passa uns meses fitando pra depois ir lá buscar a boa. Nos assaltos, uso armamento para intimidar as vítimas. Tem que usar arma pra não dar errado. O cara sem arma é um homem sem ataque”, diz.

A arma usada pelo adolescente tem dono. É alugada nas comunidades próximas por valores que variam entre R$ 500 e R$ 800. Na “bolsa de valores” do crime, uma investida na lotérica vale mais que no mercadinho. “A gente só não pode perder a arma. Se perder, vai ter que pagar”.

Na rotina de Marcelo, assalto é como uma atividade secundária. Chega para somar quando o tráfico de drogas está ruim. “No tráfico a gente pega até R$ 3 mil por dia, mas tem que tirar o dinheiro do dono. Aí a gente ganha R$ 100 por cada bolsa que vende”. O dinheiro, conta o adolescente, é gasto com a mãe e dois irmãos mais jovens que ele. Não há outra renda em casa.

As bocas de fumo têm regras. E Marcelo sabe cada uma delas. O movimento precisa ser rápido. Dinheiro, só trocado. Moedas não são aceitas. “As moedas pesam muito e não dá para demorar dando troco”. O maior movimento na boca acontece das 18h às 20h. “Quando a maconha é de boa qualidade, um vai comunicando ao outro. Aí chove gente.”

Marcelo diz pensar em mudar de vida. Sair do tráfico e dos assaltos. Voltar para a escola. Arrumar um emprego. “Mas não tenho nenhuma ajuda. Um emprego é melhor do que viver como eu tô agora. No crime a gente corre risco de ser pego pela polícia, de ser baleado. Mas tem que batalhar do jeito da gente, do jeito que vem dinheiro mais fácil”. Por enquanto, para o adolescente, estudar é prejuízo. “O tempo que eu perco na escola, deixo de atender clientes na boca.”