A vida na linha Aos 91 anos, Maria José Veras Lyra, a Dona Alila, é personagem ilustre de São José do Egito, terra da poesia e de paixões

texto: Larissa Lins | larissa.lins@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 19/08/2017 03:00

Bem no Centro de São José do Egito, no Sertão pernambucano, um armarinho abre as portas todos os dias, há mais de cem anos, antes das nove da manhã. O casarão é fechado somente após as cinco da tarde e é o único da região a revender a marca de linhas de costura Corrente Laranja – todo bom costureiro poderá atestar a relevância dessa informação. O armarinho não dá dinheiro, isso fica bem claro. Dona Alila, a cativante senhora de 91 anos por trás do balcão, apura menos de R$ 10 por dia. E que ninguém se engane: ela vive da aposentadoria como professora e de pensão obtida com a viuvez. Se continua a abrir as portas do estabelecimento, coisa que há alguns anos não pôde fazer sem a ajuda da amiga Lúcia, de quase metade de sua idade, é para preservar a lucidez, ver o movimento da cidade e manter vivas suas histórias de amor. Isso porque Dona Alila nem sempre foi uma senhora de 91 anos, viúva, com cinco gatos e rotina pacata no pequeno município do Pajeú. Muito antes de ser a guardiã da Casa Lyra, armarinho fundado em 1915, apaixonou-se à primeira vista e a vida mudou.

Era a década de 1940 quando a roda do destino de Alila começou a girar: Alila passava as férias na casa da madrinha, em São José, e conheceu Mário Vieira de Lyra. Foi amor instantâneo e se provou longevo, de modo que ela ficaria um mês na cidade em que, como se sabe, passou toda a vida. “Cheguei em 1946. Depois de algumas semanas, recebi uma carta da minha irmã Estela, pedindo que eu não desse conversa a um rapaz chamado Mário, por quem ela tinha se apaixonado pouco antes, quando visitava a cidade. Era justamente o rapaz por quem eu já estava apaixonada”, lembra Maria José Veras Lyra, a Dona Alila. Ela ri das coincidências da vida. Naquele mesmo ano, em respeito à irmã, arrumou as malas e voltou à cidade natal: o melhor a fazer era manter distância, antes que houvesse motivo de desafeto na família. Dias depois, contudo, o rapaz bateu ao portão da casa dos Vera, em Afogados da Ingazeira, e pediu a mão de Alila em casamento.

Foi em São José do Egito, portanto, que os primeiros meses em que Alila experimentava o amor foram se transformando em anos. E, então, viraram décadas – sete delas, para falar com precisão. E Alila foi se tornando pessoa de referência na região: já casada com Mário, conseguiu trabalho na Escola Estadual de Referência Oliveira Lima, onde atuou por 30 anos. “Quando meu sogro faleceu, em 1960, Mário assumiu o balcão da Casa Lyra, que o pai tinha fundado, mais ou menos na época em que virei diretora da escola”, ela recorda. Naquele tempo, a rotina que a transformou em figura ilustre no município era bastante puxada: “Eu chegava todos os dias às seis horas, abria a despensa para as meninas que preparavam a merenda e saía somente às onze da noite, depois das aulas de alfabetização de adultos. A minha vida era aquele colégio… Me sobrecarreguei tanto que adoeci”, conta. À frente da Oliveira Lima, sua segunda paixão, Dona Alila foi submetida a uma angioplastia e recebeu, além de um marca-passo, uma válvula artificial no coração.