A brincadeira do Boi Mimoso

Publicação: 20/01/2018 03:00

O som tocando era como um chamariz para Ricardo Estevam Filho. Ainda pequeno, ele fugia pelas estreitas escadarias na frente de casa procurando o destino pelas canções. Não era frevo nem maracatu, muito menos caboclinho. Nas ladeiras do Córrego do Bombeirense, em Água Fria, o boi sempre foi o protagonista da folia, motivo de desespero das mães e fascínio das crianças como Ricardo. Ainda adolescente, ele tomou para si a missão de dar continuidade à tradição da comunidade onde vive e transformou carnaval em projeto social.

A brincadeira de boi reconta a lenda de Mateus e Catirina, um casal de escravos de uma fazenda. Catirina, grávida, pede a Mateus para comer língua de boi. Na tentativa de satisfazê-la, Mateus mata o animal mais importante do fazendeiro. Sem saber como agir depois disso, ele acaba pedindo ajuda e começa um jogo de cena para tentar ressuscitar o bicho. Essa história Ricardo sabe decorada e conta, todos os anos, ao colocar o Boi Mimoso para desfilar. A agremiação criada pelos adultos do córrego, há 16 anos, é coordenada por ele.

O boi é praticamente a vida de Ricardo. Oficialmente, ele é um auxiliar operacional de farmácia que maneja medicamentos num hospital público da cidade. Nas horas de folga e também nas extras, é coreógrafo, letrista, costureiro, marceneiro e o que mais precisar. Nos meses que antecedem o carnaval, Ricardo emenda um ofício no outro para dar conta de preparar todas a fantasias do Mimoso. Tudo fica estocado na casa da mãe. A sala vira área de costura. O terraço, a lateral do imóvel e a antesala viram depósito. Penas e brilhos se confundem com o piso.

Ricardo aprendeu a importância de preservar a cultura local quando era um dos jovens atendidos por uma ONG que atuava no córrego. Levou para o Mimoso não só a paixão do menino que fugia de casa para brincar carnaval, mas também a consciência política de usar o instrumento da arte para promover um futuro melhor. Por isso, realiza vários eventos durante o ano para engajar os moradores infantis no boi.

“Não quero que seja só mais uma agremiação, então a nossa meta é trabalhar para construir uma sede, onde possamos realizar cursos e dar formação aos jovens”, disse Ricardo, que faz jornada dupla, já colocou os filhos de três e sete anos na brincadeira e cujo maior sonho é deixar um legado para a própria comunidade. Para Ricardo, o Mimoso não é dele. É deles. O Mimoso costuma se apresentar na segunda-feira de carnaval, à tarde, na Avenida Dantas Barreto.