Uma história de amor ao próximo "Vovó da Unicap", Margarida Silva esconde passado libertário e sonho de mudar o mundo

LAÍS LEON
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Publicação: 20/01/2018 03:00

Aos 85 anos, Margarida Oliveira Silva é um rosto conhecido na Rua do Lazer, no entorno da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Com seu fiteiro de balas, doces e salgadinhos montado, a Vovó, como é chamada pelos alunos, carrega um passado de lutas coletivas e pessoais. Neta de indígena, nasceu em União dos Palmares, “a terra do Quilombo dos Palmares”, como faz questão de lembrar. “O nosso rei era Zumbi. Primeiro Deus, depois Zumbi.”

Identificada com os movimentos pelos direitos trabalhistas, se orgulha dos exemplos que recebeu dos pais, mas lembra das dificuldades. “Não tive infância. Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos. Eu, minha mãe e meus dois irmãos ficamos desamparados. Não havia nenhuma lei para nos dar suporte. Mas meu pai era católico vicentino e entre eles existia a prática de ajudar a família de quem morria. Sobrevivemos assim”, lembra.

Sem acesso à escola, foi alfabetizada por sua mãe. “Como não tinha livros, aproveitava qualquer oportunidade de aprendizado. Para exercitar a leitura, lia papel velho e jornal que voava. Até que uma pessoa me deu uma Bíblia de presente. Criei hábito de leitura com ela e, aos 14 anos, eu já tinha lido a até o livro de Romanos”, conta.

A família se mudou, a pé, de Palmares a São José da Laje (AL) e depois para o Recife, onde Margarida voluntariou-se como aprendiz em uma fábrica de tecelagem. Chegou a ser vice-presidente sindical até a ditadura militar.

“O gerente da fábrica mandou o governo me prender. Me acusavam de ser comunista porque eu estava ao lado dos trabalhadores. Passei humilhação e vergonha. Fiquei sem comer, quiseram me internar ”, disse.

Desempregada e com 11 filhos, chegou às portas da Unicap, onde trabalhou como funcionária do almoxarifado e do setor de apostilas durante 13 anos, até ser dispensada e ganhar a banca de um dos filhos - que são seu orgulho.

“O que saiu com menos estudo da minha casa completou o Ensino Médio”, conta. Entre as crianças estão filhos biológicos, adotivos e sobrinhos. Margarida é mãe de uma menina deixada em sua porta. “Ela chegou numa caixa de sapato. Chamei-a de Ester, em homenagem à personagem bíblica que arriscou a sua vida pelo seu povo”, frisa.

A idade não tem sido capaz de interromper os sonhos de Margarida. “No momento, o meu sonho é que os jovens assumam o poder e se preparem para mudar tudo. Que sejam humanistas e pensem nas pessoas. Luto pela dignidade da pessoa humana”, frisa.