Esqueletos que assombram a cidade Edifícios abandonados degradam entorno e evidenciam o desafio de utilizar melhor o espaço urbano. No Recife há pelo menos 40 construções nessa situação

Publicação: 10/05/2018 03:00

O quintal da professora Andrea Góes, 51 anos, tem um enorme “elefante  branco”. Ao lado da casa amarela com clima de interior em pleno centro do Recife, jaz um dos imóveis inacabados e abandonados da capital. No lugar do que seria o prédio 13 de Maio, estão 13 andares de vazio urbano. Assim como ele, há outras 40 edificações na mesma situação na cidade.

A tragédia do Edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou em São Paulo, reacendeu o alerta para a realidade de construções sem uso social, que trazem prejuízos estéticos, financeiros e habitacionais para a urbe. Em Pernambuco, esse debate já estava aquecido por causa da queda do telhado de um casarão na Rua da Glória, no Centro da capital, que deixou três feridos e desalojou 26 pessoas.

Há dois cenários comuns quando o assunto são edificações abandonadas. Um deles é o de edifícios que tiveram as obras interrompidas e jamais retomadas. Nos últimos cinco anos, foram realizados dois levantamentos da quantidade de imóveis nessa situação no Recife. O último deles, de 2016, contabilizou quatro dezenas de prédios. “São ruínas prematuras que têm como problema imediato a interrupção da função social da propriedade, do terreno e da arquitetura”, explica o professor colaborador do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE e arquiteto e urbanista da Fundação Joaquim Nabuco Cristiano Borba. Entre os prejuízos agregados a esses esqueletos urbanos está a proliferação de áreas insalubres que facilitam o aumento de pragas urbanas e fomentam a especulação imobiliária.

“Muitas vezes, o proprietário fica guardando o imóvel como um banco, esperando uma mudança econômica para lucrar com ele”, ressalta Cristiano Borba. O professor afirma que essa é uma situação mais fácil de resolver do que a dos imóveis que se enquadram no segundo cenário, que foram finalizados e abandonados depois de um tempo de uso.

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Pernambuco (Sinduscon-PE), José Antônio Lucas Simón, diz que a solução depende da situação judicial do imóvel. “É preciso avaliar se é um empreendimento que foi incorporado e vendido. Em geral, quando permanece o esqueleto, é por ausência de viabilidade econômica ou porque a construção não seguiu os parâmetros urbanísticos da época e precisaria ser demolido para ser refeito”, diz.

Nos últimos três anos, pelo menos dois esqueletos foram recuperados - um de 15 pavimentos, na Avenida Rui Barbosa, e outro de 16 na Agamenon Magalhães. Mas há prédios que acumulam entulhos e matagal. Casos emblemáticos estão na Agamenon Magalhães, na altura do viaduto da Avenida João de Barros, e entre as Ruas da União e da Saudade.

“Meu padrasto tomava conta daqui quando a obra foi interrompida. Ficamos morando no primeiro andar do prédio, sem água nem energia elétrica, e depois construímos nossa casa. Hoje, já temos o direito sobre essa parte do terreno, mas não sabemos o que fazer com esse prédio”, diz Andrea Góes. Segundo ela, há anos ninguém da construtora procura a família.

Para Cristiano Borba, o ideal seria fazer um mapeamento na cidade dos edifícios sem uso social para mitigar o déficit habitacional. “Um levantamento que trouxesse não só a localização, mas informações sobre dívidas, propriedade, IPTU, seria importante para a política de planeamento urbano. Principalmente de requalificação do centro”, opina.

Segundo a presidente da Diretoria Executiva de Controle Urbano (Dircon), Cândida Bomfim, os proprietários dos imóveis apontados nos dois levantamentos foram notificados. Os casos foram encaminhados para a procuradoria para serem judicializados. “A Defesa Civil é consultada periodicamente a respeito de indicador de risco de cada imóvel”, acrescentou.