Moradores de rua com fome, sede e medo do coronavírus Com esvaziamento gerado pela pandemia, pessoas em vulnerabilidade têm dificuldade até para encontrar água para beber

MARIANA MORAES
ESPECIAL PARA O DIARIO
mariana.moraes@diariodepernambuco.com

Publicação: 25/03/2020 03:00

Para se prevenir do novo coronavírus, as primeiras recomendações são permanecer em casa, lavar constantemente as mãos com água e sabão ou higienizá-las com álcool em gel passar álcool em gel, principalmente ao pegar em maçanetas e comidas. Mas onde Shirley (nome fictício) mora não há maçanetas nem portas nem paredes. Os alimentos, que já eram escassos, estão ficando ainda mais difíceis. A mulher de 29 anos divide uma calçada do Bairro do Recife com o seu marido e um amigo. Em situação de rua, eles ficam mais vulneráveis à infecção considerada pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Eu até sei o que está acontecendo, vejo as pessoas passando de máscara. Ouvi dizer que era importante lavar as mãos com álcool e por isso eu e meu marido compramos um pouco no posto de gasolina aqui perto”, diz Shirley. “Os dias estão ficando muito difíceis. Tudo está fechado e não conseguimos comida. Até as pessoas que antes passavam e nos davam jantar estão parando. Hoje atravessei a ponte e fui ao Mercado de São José. Tive sorte de encontrar alguém que me deu um mamão. Gostaria de estar em um abrigo.”

José Gerivan Oliveira compartilha o local e a aflição com Shirley. “Ela teve sorte, mas eu não. Estou com prato e garrafa vazios, porque até água está difícil de conseguir. Pedem pra lavar as mãos, mas não tem onde fazer isso. Para arranjar um lugar para tomar banho tenho que andar quilômetros”, diz o homem de 46 anos, que desde 2008 está em situação de vulnerabilidade. “Para falar a verdade nem o nome da doença eu sei dizer. Para mim, pior do que ela só o que passamos aqui na rua.”

Sensibilizados com a situação deste recorte populacional, o movimento Frente Brasil Popular, em parceria com o Armazém do Campo, a ONG Bom Samaritano e a Pastoral do Povo de Rua organizam uma distribuição de marmitas para a noite de hoje. O Armazém fica localizado na Rua do Imperador, um espaço onde tem muitos moradores de rua.

“Antes do vírus, várias igrejas e grupos solidários faziam sopões para essas pessoas, mas com a chegada do coronavírus, muitos precisaram fechar. Sabemos que os moradores de rua têm acesso ao restaurante da Prefeitura do Recife na hora do almoço, mas e o café da manhã e o jantar? Começaremos, a partir desta quarta-feira, a distribuir alimentos. Serão, no primeiro dia, 50 marmitas, mas contamos com a colaboração de parceiros e da sociedade para que possamos aumentar este número”, diz o coordenador Paulo Mansan. “Queremos também arrecadar alimentos para que consigamos montar cestas básicas para os mais vulneráveis.”

MÁSCARAS DE PANO

Além dos alimentos, o grupo também mobiliza costureiras do polo têxtil de Caruaru para fabricar e distribuir máscaras de pano à população. “Nesse momento da história nós temos que nos unir em ações solidárias para superarmos este período tão difícil. É importante frisar também que prezaremos por todos os cuidados com higiene e saúde na hora de oferecer os alimentos àqueles mais necessitados.”