A demora em entender gravidade do vírus se repete

Publicação: 04/04/2020 03:00

O principal legado da gripe espanhola para o Brasil, na avaliação da historiadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e professora de pós-graduação em história das ciências e da saúde, Dilene do Nascimento, foi a criação, em dezembro de 1919, do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), que daria maior amplitude aos serviços sanitários federais.

Segundo a pesquisadora, além do desconhecimento sobre a doença, as instituições públicas de saúde eram precárias na época. “No Rio de Janeiro, por exemplo, o diretor de Saúde (Carlos Seidl) demorou muito para tomar medidas. Ele foi demitido e substituído por Theóphilo Torres, que procurou correr atrás e diminuir os danos, mas a epidemia já estava instalada. A transmissão foi tão rápida, que, em dois meses, morreram 15 mil pessoas no Rio de Janeiro”, conta a historiadora.

Em alguns lugares do mundo, a demora em entender a gravidade de um novo vírus que já estava circulando foi um erro repetido em 2020. Na  China, até 23 de janeiro só  14% tinham sido identificados.

“Hoje, existe a recomendação para ficar em casa. Na época, não houve. Em 1918 não havia pessoas nas ruas não porque houve medida das autoridades de saúde pública. A professora, a diretora, o coveiro haviam morrido. O cenário era dramático. Pessoas não podiam enterrar seus entes e colocavam os corpos na porta de casa para carrocinha passar e levar para enterro em vala comum”, afirma.

Para o chefe do serviço de Infectologia do Hospital das Clínicas (HC) e professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Paulo Sérgio Ramos, a principal lição deixada por pandemias anteriores é que planos de contingência precisam ser criados tão logo ocorram os alertas da Organização Mundial de Saúde (OMS) para casos de emergência em saúde pública. “O principal erro é que não temos conseguido estabelecer políticas públicas direcionadas às questões sociais. Nesta epidemia da Covid-19, temos observado que a vulnerabilidade social dos grupos de risco, principalmente os idosos, tem sido uma questão que não estamos conseguindo resolver”, observa o infectologista.

Dilene do Nascimento ressalta que epidemias são um problema coletivo e, portanto, a responsabilidade é do estado. “Precisamos aprender que não adianta um indivíduo tomar uma medida. Todos precisam tomar. É efetivamente um problema coletivo. Por ser coletivo, o estado tem que cuidar, resolver e suprir as pessoas para elas não morrerem de fome”, enfatiza a historiadora.