DP+SAúDE » Fungo zumbi de "The last of us" é real Série de sucesso na plataforma HBO foi inspirada no Ophiocordyceps unilateralis, capaz de infectar uma formiga carpinteira e controlá-la

Publicação: 23/01/2023 00:30

Nova série da HBO, The last of us (que também é um jogo eletrônico de sucesso) conquistou fãs a nível global com apenas um episódio, na semana passada, ao apresentar para os espectadores como seria se o mundo passasse por uma pandemia causada por um fungo capaz de controlar o comportamento humano. O que alguns admiradores do show não sabem é que a realidade alternativa criada pelos autores não está tão distante assim. A começar pelo fungo zumbi causador da destruição na produção televisiva: ele é real e existe na Terra há ao menos 48 milhões de anos.

A produção foi inspirada na série Planeta Terra de 2006, na qual um dos episódios produzidos pelo biologista David Attenborough trouxe às telas o poder furioso do fungo Ophiocordyceps unilateralis, comumente chamado de fungo zumbi por ter poder de controlar o comportamento dos hospedeiros. Ele foi descoberto em 1859 pelo naturalista britânico Alfred Russel Wallace.

Na vida real, até então, o fungo faz vítimas apenas no mundo animal, especificamente formigas carpinteiras, da tribo componutus viventes na América, Europa e África, mas, em teoria, uma mudança climática poderá fazer com que o vírus possa passar por um processo de evolução e se tornar um patógeno humano, ou seja, um fungo capaz de adoecer e “possuir” seres humanos.

Se tal evolução ocorresse, os humanos poderiam se preparar para um apocalipse natural dos mais sombrios: o modus operandis do fungo vai desde a silenciosa possessão do corpo da vítima até a explosão da cabeça do inseto para liberar mais focos do fungo no ambiente em que ele morrerá.

A série não exagera ao colocar o fungo como um possível exterminador de humanos. Isso porque para infectar pessoas, o parasita precisaria se adaptar às temperaturas altas do corpo humano - o que não é possível hoje, já que a diferença entre as florestas e o interior das pessoas é grande. Por isso, o Ophiocordyceps unilateralis prefere animais ectotérmicos, que não são capazes de se aquecerem.

EVOLUÇÃO
Uma evolução do tipo já ocorreu na história da Terra. Em 2019, os pesquisadores Arturo Casadevali e Vincent Robert descobriram que uma doença causada por um fungo em 2009 é consequência do primeiro fungo evoluído para um patógeno humano, a Candida auris. O organismo parasita é resultado das mudanças climáticas, que aqueceram as florestas onde estavam e o fizeram se adaptar de maneira mais fácil em mamíferos: primeiro em aves, depois em humanos.

Responsável por febre, calafrios e dores até a morte do infectado, a Candida auris não possui poder de controle de mente, como o fungo de The last of us. O que significa que, talvez, o fungo da série só espera que os humanos continuem a degradar o planeta para assumir o local de vez.

Uma vez instalado na formiga, que geralmente é capturada pelo Ophiocordyceps unilateralis ao andar pelo chão das florestas, o fungo passa por um período de incubação silencioso, onde nenhum dos “familiares” do inseto percebem que ele está indo para o fim da vida. Nesse período, o parasita se espalha pelo corpo e começa a se difundir por meio da hemocele do inseto — uma espécie de via arterial principal do corpo.

Presente nas vias cruciais do organismo da formiga, o fungo começa, por meio de um fenótipo estendido, a manipular os padrões comportamentais exibidos pelo inseto: parar de seguir as outras formigas nas atividades em grupo, parar de se alimentar e ter convulsões.

Essa última característica, aliás, é usada pelo fungo para levar a formiga até o “cemitério”: a carpinteira habita no alto de árvores e é derrubada pelo fungo, por meio da convulsão e do controle do andar, para o chão da floresta. A busca do Ophiocordyceps unilateralis é uma planta com nutrientes poderosos para o crescimento do fungo.

Assim que o fungo detecta uma folha “suculenta”, ele faz com que a formiga use as mandíbulas com “força anormal” para se prender ao objeto. A partir do momento em que a acoplação é feita, a formiga perde o controle da mandíbula e dos movimentos — um estudo de 2019, feito pela Universidade da Flórida, indica que o fungo tem alto poder sobre os músculos do inseto.

Em climas temperados, como o Brasil, a formiga se agarra a galhos nutritivos. Nos dois locais — planta ou galho - a acoplação do inseto deixa marcas. Um fóssil de uma folha foi encontrada no poço de Messel, na Alemanha, com as mesmas marcas. O artefato foi datado como existente há 48 milhões de anos, o que mostra a longevidade do fungo.

Depois de acoplada e com novas células fúngicas prontas para serem dispersadas no ambiente, o fungo mata a formiga e toma controle total do hospedeiro. Começa a nascer, então, um novo organismo entre a cabeça e o corpo da formiga, para a parte externa, uma espécie de “trouxinha” de fungos.

Essa bolsa, após 4 a 10 dias da “possessão”, é liberada no ambiente por meio da explosão da cabeça da formiga e da própria bolsa. O corpo da vítima é deixado no cemitério, onde são vistas várias outras. (Correio Braziliense)