"Violência policial caiu muito no estado" De saída do Ministério Público e a caminho do TJPE, Marcos Carvalho fala sobre sua atuação à frente do MP no combate ao crime em PE

Paula Losada e
Ricardo Dantas Barreto

Publicação: 04/01/2025 03:00

No dia 8 de janeiro, o procurador-geral de Justiça de Pernambuco, Marcos Carvalho, se despede do Ministério Público de Pernambuco depois de 25 anos dedicados à carreira de promotor de Justiça e toma posse como desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Em entrevista ao Diario, ele faz balanço da sua gestão à frente do MPPE nos últimos dois anos, destacando o trabalho realizado no combate ao crime organizado, a parceria com a Polícia Militar para a redução da violência policial e a atuação contra a corrupção.

Um total de R$ 246,4 milhões foi recuperado em favor da Receita estadual, em 2023 e 2024 (até 13 de dezembro), por meio da atuação do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (CIRA), do qual o MPPE faz parte. Marcos Carvalho falou também a respeito da expectativa em relação às suas novas atribuições no TJPE.

Entrevista - Marcos Carvalho // procurador-geral de Justiça do estado

Crime organizado
O crime organizado é um problema nacional. Na Bahia, em quatro, cinco anos houve uma mudança muito grande. Até então, não se tinha notícia de tantas facções atuando no estado.

Em 2023 e 2024, o número de homicídios e de mortos em confrontos cresceu muito. Está entre os maiores do Brasil. Então, temos que ter um cuidado muito grande para que essas facções não se instalem em Pernambuco e, se instalando, sejam combatidas logo.

Esse assunto vem sendo discutido no Juntos pela Segurança. O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, tem trabalhado muito na questão da integração do Ministério Público com as polícias no combate ao crime organizado. Eu acho que o governo federal realmente tem que ter uma maior presença no combate ao crime organizado, que hoje é transnacional.

Todos esses atores (MP, Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil) têm seus núcleos de inteligência, mas, muitas vezes, as informações não são compartilhadas. Obviamente, que é preciso ter cuidado com o nível de compartilhamento.

Há um consenso de que o governo federal tem que ter um protagonismo maior em relação ao combate ao crime organizado. O MPPE está fazendo a sua parte. No primeiro semestre de 2023, transferimos o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) e o Núcleo de Inteligência do MPPE para uma nova sede, assegurando mais espaço, organização do acervo de documentos, ampliação do Laboratório de Análise Forense e melhorias no Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro.

Violência policial

Houve uma diminuição muito grande da violência policial em Pernambuco. No início da minha gestão no MPPE, além dos homicídios e feminicídios em índices inaceitáveis, recebemos várias denúncias, inclusive com vídeos, de abusos praticados por policiais na Região Metropolitana e no interior, que precisavam de investigação.

Criamos, então, um Grupo de Atuação Conjunta Especializada (Gace) de Controle da Atividade Policial, uma força-tarefa de vários membros para acompanhar as denúncias em tempo real e ajudar os promotores naturais dos municípios que registraram os casos de violência policial.

Os resultados foram extraordinários, com identificação e denúncia dos acusados, além de termos contado com a colaboração de entidades de defesa dos direitos humanos, como o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e o Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (Cendhec), e da própria Polícia Militar para elaborar, numa ação conjunta dos Centros de Apoio Operacional (CAOs) Criminal, de Defesa Social e Controle Externo da Atividade Policial do MPPE, protocolos de atuação dos policiais.

Esse trabalho culminou em procedimentos próprios instaurados pelo Ministério Público no caso da chacina em Camaragibe e na operação que houve na comunidade do Detran. Como a atuação do Ministério Público foi imediata, foi feito todo um trabalho de investigação, com georreferenciamento, acompanhamento dos diálogos, com busca e apreensão, identificamos tanto os praças quanto os oficiais envolvidos e todos foram presos.

Outra ação importante foi a criação do Núcleo de Apoio ao Júri (NAJ). Nos casos mais sensíveis, com envolvimento de facções criminosas em cidades menores, despersonalizamos a atuação do MP.  Um integrante do núcleo auxilia ou assume os trabalhos no Tribunal do Júri, em substituição ao promotor local.

Câmeras corporais

Eu defendo o uso de câmeras corporais por policiais. Evidentemente, que há um inconveniente para o policial passar o dia todo com aquela câmera na farda porque não só vai gravar uma ação como também todo tipo de conversa e, num ambiente de trabalho, se conversa sobre tudo, inclusive coisas pessoais. Mas, no final das contas, termina também sendo um mecanismo de proteção para o policial, porque, se ele necessita usar a força, está tudo ali registrado.

Tudo o que levou ao uso da força. Obviamente, ninguém gosta de ser fiscalizado e, com essa ação mais próxima do Gace, houve um certo incômodo no comando da Polícia Militar à época. Mas tivemos uma conversa, explicamos quais eram os objetivos e terminamos assinando um termo de cooperação entre o MPPE e a PM. Não existe outro no Brasil. Antes disso, os tenentes coronéis e membros do Ministério Público só se conheciam pelos nomes nos ofícios. E a partir dessas ações e dessa necessidade de sentar para conversar, hoje as pessoas se conhecem e muitas situações são resolvidas com um telefonema para troca de informações.

As equipes do MPPE e da PM também desenvolveram um protocolo para os casos em que ocorre morte de policiais. Por exemplo, se equipes de outro batalhão forem se deslocar para a área onde ocorreu o homicídio de um policial, o comandante do batalhão tem que ser imediatamente comunicado para evitar que as pessoas, naquele impulso, se desloquem para aquele local.

Tudo rastreado por georreferenciamento para que tudo o que ocorra, durante aquele momento de tensão, não transborde para uma vingança, uma violência. Mas tudo isso foi construído em conjunto e hoje temos reuniões permanentes. O acordo de cooperação prevê, inclusive,a disponibilização de acesso aos sistemas da PM e do MPPE.

Essa comunicação dos sistemas também vem sendo discutida no Juntos pela Segurança para que não se enfrente a criminalidade sozinho. Se não se tiver essa integração no que é necessário para cada instituição, não se vai avançar.

Então, hoje, com a Polícia Militar e, justiça se faça, com o comandante Ivanildo Torres, o relacionamento é excelente. Ele, inclusive, nos visitou aqui para perguntar o que a gente estava precisando da Polícia Militar. A partir dessa aproximação com o alto comando da PM, a gente tem avançado e, do ano passado para cá, houve uma diminuição de mais de 50% de casos envolvendo violência policial no estado de Pernambuco.