Do calor a inundações: efeitos das mudanças climáticas no Recife O dia de conscientização sobre assunto mostra a importância não só do debate, mas sobretudo das ações

ADELMO LUCENA

Publicação: 17/03/2025 03:00

A localização da capital pernambucana faz com que a cidade seja a mais ameaçada pelo avanço do nível do mar (RAFAEL VIEIRA/DP FOTO)
A localização da capital pernambucana faz com que a cidade seja a mais ameaçada pelo avanço do nível do mar

Comemorado ontem (16), o Dia de Conscientização das Mudanças Climáticas levanta pontos sobre os impactos do estilo de vida do homem no planeta Terra e a urgência de agir diante dessas questões. Nesse contexto, e levando em conta as informações do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) que mostram o Recife como a capital brasileira mais ameaçada pelo avanço do nível do mar, o tema precisa estar na pauta da população.

Essa vulnerabilidade do Recife decorre de fatores geográficos, socioeconômicos e ambientais que, combinados, aumentam os riscos associados ao aquecimento global. A localização costeira de Recife a torna suscetível à elevação do nível do mar e a eventos climáticos extremos, como inundações e deslizamentos.

“Nos últimos 15 anos, a taxa de aumento do nível do mar média do planeta foi cerca de 2,5 vezes superior à média de todos os séculos passados. Recife tem uma peculiaridade, que é a altitude média em relação ao nível do mar muito baixa. Então os efeitos da elevação do nível do mar, pelo aquecimento dos oceanos, pelo aquecimento do planeta, pela pelo reforço dos ventos também, fazem com que Recife seja uma cidade muito vulnerável”, explica Moacyr Araujo, coordenador científico da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

BAIRROS
O coordenador destaca que a capital pernambucana está a apenas 4 metros acima do nível do mar e que a maré chega a 3 metros de altura, o que causa prejuízos à cidade, uma vez que dificulta o escoamento de água das chuvas. Com a elevação do nível do mar por conta do derretimento das geleiras, bairros recifenses podem se prejudicar ainda mais, entre eles a Várzea, Afogados e Ilha do Retiro, pontua Moacyr Araujo.

“O clima do Recife é muito influenciado pelo Oceano Atlântico Tropical e as condições que a gente está vendo desde 1990 é um aumento significativo. Ou seja, tem uma anomalia considerável de aproximadamente de quase 1°C da temperatura do Atlântico próximo a gente”, ressalta Thiago do Vale, meteorologista da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac).

Além disso, a cidade enfrenta desafios socioeconômicos, como alta desigualdade na distribuição de renda, acesso limitado a serviços de saúde e saneamento básico inadequado, que amplificam os impactos das mudanças climáticas nas comunidades mais vulneráveis.  

“Nós temos praticamente 1 milhão de habitantes que moram em morros e encostas, regiões que estão muito suscetíveis a problemas de deslizamento relacionados a eventos extremos. De fato existe um aumento significativo da frequência e da intensidade de eventos extremos”, destaca Moacyr Araujo.

O aquecimento global também acontece em decorrência do mal uso do solo, que acaba contaminado pelo chorume, gordura e fluidos como óleo de cozinha, que penetram devido ao acúmulo de lixo. Estas substâncias podem chegar aos lençóis freáticos, podendo causar contaminação da água potável e maior proliferação de bactérias e vírus que causam doenças como tétano, febre tifóide, desinteria e hepatite A.

“A gente tem um aumento de temperatura causado por diversos motivos e um dos principais motivos é a mudança do uso do solo. Se a gente for ver há 100 anos, o Recife teve uma mudança, já que havia mais florestas e campos. E hoje nós temos, nós temos mais habitações altas, que são os edifícios”, complementa o meteorologista Thiago do Vale.

“As ondas de calor estão sendo intensificadas em frequência e também em magnitude por causa do aquecimento global. Com as atuais emissões de gases de efeito estufa, estamos caminhando para uma trajetória de aumento de temperatura de 3.1°C em média no planeta. Isso significa que no Brasil podemos ter um aumento de temperatura de 4ºC a 4,5ºC que vai trazer impactos muito fortes e muito importantes sobre todo o clima do país”, comenta Paulo Artaxo, físico professor da Universidade de São Paulo (USP) e ganhador do prêmio Nobel da Paz junto com a equipe do IPCC.

AÇÕES
Diante desse quadro, em 2019, Recife tornou-se a primeira cidade brasileira a reconhecer oficialmente a emergência climática. O decreto municipal estabeleceu diretrizes para combater a crise climática e projetou a neutralização das emissões de carbono até 2050. Como parte das estratégias para enfrentar os desafios climáticos, Recife desenvolveu o Plano de Adaptação Climática, intitulado “Análise de Riscos e Vulnerabilidades Climáticas e Estratégia de Adaptação do Município do Recife”. O plano identifica seis principais vulnerabilidades: inundações, deslizamentos, doenças transmissíveis, ondas de calor, seca meteorológica e elevação do nível do mar.

A cidade também conta com o Plano Setorial de Adaptação do Recife (PASR), que foca nos setores de saneamento básico, transformação urbana, mobilidade urbana e economia. O objetivo é fortalecer a resiliência dos sistemas socioeconômicos e ambientais relacionados a esses setores.