Igreja Universal é processada por devoto Homem acusa pastor de tê-lo coagido a doar mais de R$ 30 mil, oriundos da venda de uma padaria, em troca de promessas de ganhos

JORGE COSME

Publicação: 21/03/2025 03:00

Manoel Rodrigo diz que a "doação" foi o "pior erro" que já cometeu em toda vida. Ele quer abrir um novo negócio (TAYLINNE BARRET/DP FOTO)
Manoel Rodrigo diz que a "doação" foi o "pior erro" que já cometeu em toda vida. Ele quer abrir um novo negócio

Um homem de 50 anos, morador de Olinda, no Grande Recife, trava uma disputa na Justiça contra a Igreja Universal do Reino de Deus depois de vender sua padaria e doar R$ 31,5 mil à instituição religiosa em troca de “uma mudança positiva de vida”. Após a doação, Manoel Rodrigues Chaves Filho alegou que ficou desempregado, terminou o casamento e contraiu dívida com o colégio de sua filha.

Áudios obtidos pelo Diario de Pernambuco e autos do processo mostram um pastor pressionando Manoel a doar valor para a Universal em vez de destiná- lo à própria família. A doação foi feita em novembro de 2017.

No processo, que se arrasta desde 2019, Manoel, que atualmente trabalha como padeiro, pediu restituição do valor entregue e indenização por danos morais. Em janeiro de 2022, o juiz Carlos Neves da Franca Neto Júnior, da 2ª Vara Cível da Comarca de Olinda, deu sentença parcialmente favorável a ele. A Universal entrou com recurso, que foi negado ontem (20).

De acordo com a ação, o padeiro passou a frequentar a Igreja Universal localizada na Avenida Cruz Cabugá, em Santo Amaro, Centro do Recife, em março de 2017. Lá, conheceu o pastor Rodrigo Antonio, que o teria assediado a fazer a doação com a venda da padaria.

CONQUISTAS
Segundo Manoel, o líder religioso afirmou que “se ele entregasse o dinheiro, iria ter uma vida completa, a mudança viria de imediato, as pessoas que estavam virando as costas para ele no momento difícil iriam ficar surpreendidas com a prosperidade”. Rodrigo Antonio teria dito ainda que o fiel conseguiria casa e carros luxuosos, padaria própria e muito dinheiro.

Em um áudio anexado ao processo, o pastor orienta o padeiro a vender outros itens para doar à igreja. “Agora, é o senhor pegar e preparar o seu sacrifício, esse valor de R$ 30 mil e tudo que vier na mão do senhor. Se tiver mais coisa, o senhor pega e fala assim: ‘vou vender, vou pegar esse dinheiro e botar num envelope’”, diz um trecho.

Outro áudio atribuído ao religioso mostra ele orientando Manoel a não repartir o dinheiro com a sua esposa, com a qual passava por um processo de separação, e sua filha. “Não toca naquilo que é sacrifício, seu Manoel. Se o senhor tocar, sua vida não vai mudar. (...) Pega o valor, tudo o que o senhor tem, põe no altar, no sacrifício, para Deus te abençoar”, ele orienta.

O autor da ação diz que repassou R$ 10 mil em cheque e R$ 21,5 mil em espécie. A transação teria ocorrido no estacionamento da igreja. “Eu fiquei numa dificuldade muito grande. Tive que colocar minha filha em uma escola pública porque não tinha mais condição de pagar”, conta Manoel.

Para a advogada de Manoel, Janaína Morais, os áudios comprovam que houve coação. “O áudio é bem incisivo na forma como ele [o pastor] fala. A meu ver, um pastor é para orientar o fiel, não é para ordenar”, ela diz. “O pastor tirou o trabalho dele, tirou a dignidade dele e da família. Como uma igreja pede tudo que ele tem?”, questiona Janaína.

Manoel cogita reabrir  o seu negócio caso a vitória na Justiça se confirme. Ele não voltou a frequentar templos religiosos desde o episódio. “A gente erra muitas vezes na vida, mas o pior erro que cometi na minha vida foi esse”, diz, sobre a doação.

DECISÃO
Na sentença, o juiz Carlos Neves destaca que o religioso sabia das condições de vida do padeiro e que ele tirava o sustento da família por meio da padaria. “Sabedor, a toda evidência, de que o promovente ficaria na miséria, o pastor Rodrigo Antônio instigava o promovente a dar continuidade ao seu intento, a ponto de levá-lo a cabo contra a vontade de seus familiares”, diz o juiz, afirmando que o líder religioso demonstrou vilania e falta de empatia.

A Universal entrou com uma apelação alegando cerceamento de defesa e negando a ocorrência de ato ilícito. A Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), de forma unânime, negou o pedido. Em seu voto, a desembargadora Nalva Cristina Campello Santos declarou que a autoridade religiosa, ao invés de guiar espiritualmente o membro, o levou a uma situação de comprometimento econômico.

“As provas dos autos demonstram que as contribuições financeiras não decorreram de uma escolha livre, mas de um processo de convencimento pautado em promessas infundadas e exploração da vulnerabilidade psicológica do fiel”, afirma a magistrada. A igreja ainda pode recorrer.

Em nota, a Universal declarou que a Constituição Federal e o Código Civil garantem a liberdade de pedir e fazer doações, protegendo de supostos “doadores arrependidos”. A instituição afirma ainda que o autor da ação é uma pessoa esclarecida, apta e capaz de assumir suas próprias decisões, sendo conhecedor dos rituais litúrgicos e já tendo realizado ofertas voluntárias em outros momentos.  “Dito isso, a Igreja Universal do Reino de Deus reitera que, em um país laico, como o Brasil, é vedado qualquer tipo de intervenção do Estado — incluindo, do Poder Judiciário.