Quando a chuva acende a pior memória Três anos após a tragédia que deixou 48 mortos na comunidade, moradores de Jardim Monte Verde dizem que o medo ainda os persegue

Nicolle Gomes

Publicação: 29/05/2025 03:00

Jaqueline Alves perdeu cinco pessoas da família, amigos e ainda lembra como foi tentar desenterrar as vítimas (NIVALDO FRAN/DP FOTO)
Jaqueline Alves perdeu cinco pessoas da família, amigos e ainda lembra como foi tentar desenterrar as vítimas

“Acorda, Jesus. Acorda”, grita, agarrado na grade de sua casa e soprando forte um apito, o sobrinho de sete anos de Dalva Damares, toda vez que a chuva castiga a comunidade de Jardim Monte Verde, no limite do Recife com Jaboatão dos Guararapes. Aos 4 anos, a criança foi testemunha da tragédia que soterrou e matou 48 pessoas da comunidade, em 2022. “Ele perguntou porque Deus deixou morrer tanta gente”, conta Dalva, presidente do conselho de moradores.

Chocada pelo questionamento do sobrinho sobre o motivo de tantas mortes na chuva, ela disse que Jesus havia cochilado. “Depois disso, sempre que chove, ele vai para grade, fica gritando e apitando para ‘acordar’ Jesus”, relatou. A líder comunitária esteve presente no ato realizado ontem, data que marcou três anos da tragédia de Jardim Monte Verde, onde pessoas perderam suas vidas, soterradas pelos deslizamentos de barreiras.

“É um ato silencioso”, avisa Jaqueline Alves. “Porque 48 pessoas foram silenciadas para sempre pelos deslizamentos”, emenda a moradora da comunidade há 43 anos e que perdeu cinco pessoas da família na tragédia. “No dia dos desabamentos, foi a gente que teve que desenterrar as pessoas. Imagina você ter que desenterrar um parente seu, puxar ele do…”, tentou descrever a cena, sem conseguir concluir a frase, em meio ao engasgo do choro.

Jaqueline perdeu mais que cinco parentes, vários amigos e metade do coração na tragédia: perdeu a vontade de viver. “Não faz um mês que essa aí” -  disse Dalva, apontando para Jaqueline - “me ligou, dizendo que estava querendo se despedir de mim porque iria tirar a vida”, completou.

Dalva relata que o drama do dia 28 de maio de 2022 segue vivo em cada morador da comunidade, mexendo com a sanidade das pessoas que sobreviveram. “As pessoas aqui ficaram perturbadas. Elas se acabaram mentalmente. Nossa comunidade está doente”.

TERROR
Lucicleide Maria da Silva, de 42 anos, sofre menos deste mal porque deixou o Jardim Monte Verde após os deslizamentos. Mas, nem por isso, as cenas deixam de se repetir em sua cabeça. “Parece um filme de terror, de guerra. Só que era a realidade que a gente estava vendo”, destaca.

Assim como as outras pessoas ouvidas pela reportagem do Diario, Lucicleide reclama do sentimento de desamparo por parte das autoridades. Ela recebeu a parcela única de R$ 1.800 e o benefício de R$ 300 pelo auxílio-moradia que seria mensal, mas que perdeu quando conseguiu emprego com carteira assinada. “A gente só quer um pouquinho de dignidade”, suplica Jaqueline.

Paralelamente ao ato em memória das 48 vidas perdidas na tragédia ocorrida três anos atrás, o governo do estado realizou uma vistoria no entorno da comunidade e a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes anunciou a liberação de verba para a construção de conjunto habitacional.

Segundo o secretário-executivo de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH) do estado, Francisco Sena, a vistoria nas obras de contenção de encostas teve o objetivo também de “prestar conta à população do que é que a gente vem fazendo desde o ocorrido”. Mais de mil dias após o episódio, a estimativa é finalizar as obras em setembro deste ano.

“A gente finaliza em setembro toda parte de contenção de encostas. Estão todas as encostas protegidas até setembro. De setembro a dezembro a gente faz a urbanização, que é a pavimentação das ruas, a drenagem, a construção das praças, a gente vai ter um memorial em respeito às vítimas daquele desastre. A prioridade nossa é finalizar as encostas até setembro deste ano numa força tarefa. (A obra) Deveria estar, segundo o cronograma 45% de obra, já estamos mais de 60%”, declarou.

Já a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes anunciou a liberação de R$ 59 milhões, oriundos do governo federal, para construção de 393 unidades habitacionais, para substituir as moradias destruídas ou as que estão permanentes interditadas. A prefeitura tem 190 dias para identificação do terreno, elaboração do projeto de execução e licitação. Além da construção dos habitacionais, os recursos também serão destinados para obras de infraestrutura, como pavimentação, drenagem e tratamento de efluentes.