INSTITUIçõES CENTENáRIAS DE PE » Uma memória viva da história do Recife Ao longo dos seus 150 anos, o Mercado de São José tem guardado riquezas e registrado as grandes mudanças que a cidade já viveu

LARISSA AGUIAR

Publicação: 23/06/2025 03:00


No coração do Recife, um gigante de ferro fundido resiste ao tempo, às reformas e às tentativas de transformá-lo. O Mercado de São José, inaugurado em setembro de 1875, é mais que um centro comercial: é um patrimônio vivo da cidade, um espaço de memória afetiva, resistência cultural e identidade popular.

Com arquitetura inspirada no Mercado de Grenelle, em Paris, o São José é considerado o primeiro mercado público pré-fabricado em ferro do Brasil. Seu projeto teve a assinatura técnica do engenheiro francês Louis Léger Vauthier, conhecido por outras obras emblemáticas no Recife, como o Teatro de Santa Isabel. 

“O mercado de São José é um dos maiores exemplos da influência europeia no processo de modernização do Recife no século XIX”, afirma o historiador Artur Garcéa. “Ele foi pensado como parte de um projeto de higienização e reorganização urbana, um verdadeiro símbolo da tentativa de transformar a cidade em uma capital moderna nos moldes de Paris”.

Antes da imponência metálica, o espaço que hoje abriga o mercado era conhecido como Terreno dos Coqueiros e, mais tarde, Ribeira dos Peixes. Desde o século XVII, já era palco de intensas trocas comerciais, com vendedores de frutas, verduras e peixes. Em 1655, o terreno foi doado aos padres capuchinhos por Belchior Alves Camelo e Joana Bezerra.

Durante o século XIX, o Recife vivia uma explosão urbana, impulsionada por políticas de saneamento, reformas estruturais e preocupação com a saúde pública, especialmente após a devastadora epidemia de febre amarela de 1849. 

Foi nesse contexto que surgiu a necessidade de criar um mercado que centralizasse e regulamentasse a venda de alimentos, afastando o comércio ambulante das ruas.

O Mercado de São José foi, desde o início, um equipamento pensado para atender às elites políticas e econômicas, mas logo foi apropriado pela cultura popular recifense. 

REFORMA

Ao longo dos seus quase 150 anos, o Mercado de São José passou por inúmeras reformas. O atual projeto de requalificação, coordenado pela Prefeitura do Recife dentro do programa Recentro, prevê investimentos de aproximadamente R$ 24 milhões. A proposta inclui a recuperação estrutural, modernização das instalações elétricas e hidráulicas, além de mudanças na organização interna dos comerciantes. Entre as medidas mais polêmicas está a retirada das barracas de comida da fachada principal e a realocação de vendedores para o mezanino.

Segundo a gestão municipal, as alterações visam recuperar o traço arquitetônico original do mercado. 

Quem caminha hoje pelos corredores do mercado sente a mistura de cheiros, cores e sons que marcaram gerações. Ali, famílias inteiras compram o peixe da Semana Santa, os temperos para a feijoada, as velas para promessas religiosas e lembranças artesanais para presentear.

“O São José é mais que um ponto de comércio. É um espaço de memória coletiva”, reforça a historiadora Vanessa Sial.