Publicação: 18/02/2014 03:00
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Tônia Carrero será sempre lembrada pelos traços únicos, que a tornaram uma das mais belas mulheres da dramaturgia brasileira. Mas não foi somente a estética que a consagrou. Com atuações marcantes e uma ousada presença de palco, Tônia permanece como uma referência na arte da interpretação. Heroína, vilã, cortesã ou anjo, Tônia personificou inúmeros tipos da cultura brasileira.
Entre os familiares, o único e célebre filho, e também ator, Cecil Thiré, lamenta ver a mãe sobre a cadeira de rodas (em consequência de um quadro de hidrocefalia oculta), mas se contenta em tê-la, por perto, “lúcida, esbanjando alegria, embora pouco fale”. Há cinco anos, Tônia mora com o sobrinho e afilhado, Leonardo Thierry, que fez questão de compartilhar algumas palavras sobre a tia: “Ela é quem melhor lida com a situação atual. Na última vez em que fomos ao cinema, ela já estava ligeiramente debilitada. Na saída do filme, a fila da próxima sessão já estava formada. Aos poucos, começou um burburinho. Quando tiveram certeza de que era, de fato, Tônia Carrero ali, começaram a aplaudir”, ele relata.
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Tônia Carrero em ação na peça teatral Casa de bonecas |
A influência de Tônica Carrero transcende gerações. Ela segue reverenciada por nomes como Marília Pêra, Fernanda Montenegro e Bibi Ferreira, mas igualmente por iniciantes atores que encaram Tônia como um ícone. A exemplo de seu bisneto, o ator Vitor Thiré, de apenas 19 anos. Ele próprio encontra dificuldade em mensurar a importância da artista, mas, sem perceber, o faz muito bem: “Caramba, minha bisavó é Tônia Carrero. Isso é muito!”. Sem dúvida. Leonardo consegue explicar, com autoridade, o quadro atual de saúde da atriz: “Ela sofre de hidrocefalia oculta. Uma doença congênita. Herdou da mãe dela, que passou exatamente pela mesma situação. A doença, irreversível, impede que ela ande ou articule melhor as palavras”. O quadro emocional é bem diferente: “Ela sempre está com bom humor”, completa o afilhado.
Cecil, filho, admite desconforto com as circunstâncias: “Eu tenho muita dificuldade em lidar com as dificuldades dela. Está sempre de melhor humor do que eu”. A vitalidade da atriz impressiona até o filho, que brinca com o assunto. “Eu estou com 70 anos. Ou seja, cinco a mais do que ela”, divertiu-se. Enquanto Tônia limitou-se ao filho único, Cecil teve quatro. E, como não poderia deixar de ser, a força de Tônia os contaminou. Todos são artistas. Carlos, Luísa e Miguel foram para as artes cênicas. O caçula João preferiu a música. E não parou por aí. Uma quarta geração começa a dar as caras.
Vitor Thiré, filho de Luísa, nasceu no palco. Quase literalmente. “Minha mãe estava atuando, no teatro, grávida. Estou pelas coxias desde sempre”, contou o rapaz, de 19 anos, que faz sucesso no folhetim Malhação. O ator e diretor Miguel Thiré, 31, só resolveu encarar as artes aos 18 anos. Ele (que integra o elenco de Em família) acabou seduzido pelo ofício. “Seria impossível dizer que não tem relação com minha avó. Ela abriu todas as portas e as manteve abertas”, comentou.
Ele foi elogiado pela direção da peça O que você gostaria que ficasse? O título serviu de gancho para uma pergunta final: “O que você gostaria que ficasse da sua avó?” A resposta vai de encontro às lembranças de cada espectador, fã e admirador da grande dama da dramaturgia. “Vou me emocionar ao dizer isso. Fiz o espetáculo para ela. Como se eu dissesse: ‘Gostaria que aquele brilho no olhar ficasse, que aquela beleza… Que Tônia Carrero ficasse.” (Diego Ponce de Leon)
Trajetótia
A carioca Maria Antonieta de Farias Portocarrero nasceu em 23 de agosto de 1922. Filha de militar, teve dificuldades para encarar a carreira como atriz, desaprovada pelo pai.
Formou-se em educação física (e não exerceu). Em Paris, para onde foi com o primeiro marido, Carlos Thiré, flertou com a interpretação.
A estreia foi nos cinemas, em 1947, no filme Querida Susana. Dois anos depois, sobe aos palcos, movida por Paulo Autran, que se tornaria um constante companheiro de trabalho e com quem montou um grupo de teatro.
Na década de 1960, invade a televisão. Depois de Thiré (pai de Cecil), Tônia se casou duas vezes, com Adolfo Celi e César Thedim. A carreira que se iniciou no cinema, também termina nas telas, em 2008, com Chega de saudade, de Laís Bodanzky.
Depoimentos
"A primeira vez que estivemos juntos foi em 1974. Ela sempre deu festas memoráveis. Não deixei de visitá-la agora. Somos amigos, afinal. Toda vez que apareço, ela me reconhece e abre um sorriso. Permanece linda. E isso não mudará. (A doença) é o processo da vida. Cada tem a sua trajetória. A dela se deu dessa forma. E ela tira de letra. (Lembro que) estávamos juntos na inauguração de um restaurante. Ela tirou o dia para me elogiar. Aproveitei, então, para brincar: ‘Se gosta tanto de mim, quero uma joia de presente!’. Ea tirou um anel do dedo e me deu.”
- Ney Latorraca, ator, 69 anos
"Ensaiávamos no casarão dela (Um barco para o sonho, em 2007), no Jardim Botânico. Foi uma convivência maravilhosa. Ela era um pouco arbitrária, mas espirituosa. Lembro que engordei à época. Ela servia um lanche caprichado no fim do ensaio. Tive um momento de forte emoção, quando me dei conta de que estava no palco com Tônia, aquela mulher a que tanto assisti no passado. Perto dela, sou um garotão inexperiente. A última vez que a encontrei foi no aniversário dela (agosto de 2013). Estive lá com Rosamaria (Murtinho, a atriz com quem Mauro é casado há 55 anos). Ela estava bem.”
- Mauro Mendonça, ator, 82 anos
"Tônia Carrero é, em minha memória, a atriz que melhor uniu talento, cultura, vocação e elegância à uma beleza extraordinária. Ver Tônia em cena, era apreciar um anjo. Ela me ligava para conversarmos. Dizia, em público, o que pensava, e isso algumas vezes a tornava atrevida e perigosa, embora sempre encantadora e bela. Uma grande dama do teatro!”
- Marília Pêra, atriz, 71 anos
"Tive a sorte de cenografar grandes espetáculos para a divina Tônia, cuja beleza muitas vezes nos distraía, camuflando suas interpretações. A beleza clássica de uma deusa do teatro e sua magnânima atuação! Poucas atrizes no teatro brasileiro fascinaram tanto quanto Tônia. Nossas conversas sobre arte dramática sempre
me inspiravam”
- Hélio Eichbauer, cenógrafo, 73 anos
Marca
150
Número estimado
de trabalhos realizados
por Tônia Carrero para
o teatro, o cinema
ou a televisão