Uma telona de possibilidades Exibição de shows, espetáculos e eventos esportivos transforma o cinema em um ambiente de entretenimento além da projeção de filmes

Júlio Cavani
juliocavani.pe@dabr.com.br

Publicação: 20/07/2014 03:00

O conto de inverno, da Royal Opera House: espetáculos ganharam legenda em português (JOHAN PERSSONDIVULGAÇÃO)
O conto de inverno, da Royal Opera House: espetáculos ganharam legenda em português

Não só de filmes vivem os cinemas hoje em dia. Projeções de shows, óperas, balés, lutas e jogos de futebol têm sido cada vez mais comuns nos multiplex de redes como a UCI e a Cinemark. A tendência ganha cada vez mais intensidade por causa da concorrência com a internet e novas mídias (além da pirataria), que estimularam a transformação das salas de exibição em complexos de diversão com programação mista. O cardápio não era possível em décadas passadas porque os sistemas de projeção em película não ofereciam os recursos de transmissão digital em alta resolução.

“A tecnologia disponível também facilita a expansão da oferta”, diferencia Bettina Boklis, diretora de Marketing da Rede Cinemark, onde a média de público nas transmissões dos jogos da Copa do Mundo foi de 50% de ocupação das salas. Segundo ela, “o intuito é levar aos espectadores um conteúdo diferenciado e de qualidade. A oferta desses conteúdos nas salas de cinema do Brasil possibilita a democratização da cultura, permitindo alcançar um maior número de espectadores. O cinema é uma das opções mais acessíveis e completas em termos de entretenimento”.

A virtude da tecnologia

Espetáculos de ópera e balé de algumas das principais companhias da Europa e dos Estados Unidos já podem ser vistos no Recife em tela grande e com som em alto volume. As produções raramente são apresentadas ao vivo na América Latina (muito menos no Nordeste do Brasil) e ver no cinema é o máximo de proximidade que se pode alcançar. No Recife, já foram projetadas novas montagens da Royal Opera House (Inglaterra), da Metropolitan Opera (EUA) e do Balé Bolshoi (Rússia), entre outros grupos. Clássicos como Giselle, do Balé Kirov, por exemplo, foram projetados em 3D.
A novidade realmente trouxe uma nova contribuição para a agenda cultural, pois o tipo de produto só estava disponível em DVDs e Blu-Rays importados, vendidos a preços caros, que chegam a ultrapassar R$ 100. Outra vantagem é que todas as produções são legendadas em português, o que facilita a compreensão da trama.

Além disso, os cinemas exibem os espetáculos pouco tempo depois das estreias nas cidades de origem, o que permite deixar o público atualizado com o que de melhor é produzido no mundo. Segundo o Cinemark, o tipo de conteúdo só é exibido em 35 países. O Brasil é o terceiro país que mais comenta o assunto nas redes sociais, atrás apenas dos EUA e da Inglaterra. Musicais da Broadway também têm sido projetados, como ocorreu em maio e junho, no Cinemark, com as peças Memphis, O médico e o monstro e Smokey Joe’s Cafe.

"É uma experiência muito interessante poder ouvir e ver ópera numa sala de cinema com toda a qualidade de som e imagem e ainda a comodidade. Claro que não se compara a uma ópera ao vivo, mas a qualidade das montagens faz valer muito a pena. No contexto em que só é possível ver boas montagens de ópera no Rio de Janeiro, em São Paulo e Belo Horizonte - às vezes nem tão boas assim - a possibilidade de ver no cinema é uma bela alternativa.”
Josias Saraiva, escritor

Os lances em detalhes

Diante de uma tela de cinema, é possível observar com mais detalhismo todos os lances de uma partida de futebol ou uma luta de artes marciais mistas (MMA). A escala é tão grande que o espectador pode ter a sensação de estar dentro do campo ou do ringue. Algumas partidas de futebol, inclusive, têm sido transmitidas em 3D. A possibilidade alcançou o auge na Copa do Mundo, quando os principais jogos foram transmitidos nos multiplex. Em 2012 e 2013, na final da Liga dos Campeões (Copa da Uefa), os jogos foram transmitidos ao vivo com projeção em 3D, além de narração e comentários exclusivos (o recurso tridimensional não estava disponível em 2014, mas houve transmissão).

Em dezembro, o público também pôde assistir ao histórico combate entre Anderson Silva e Chris Weidman, já que os principais cards do Ultimate Fighting Championship (UFC) têm sido exibidos desde 2011 no Brasil. A final do Super Bowl (campeonato de futebol americano) também foi exibida em 18 cidades. No caso da Copa do Mundo, funcionou como espécie de resgate das antigas experiências cinematográficas do Canal 100, com a diferença de que agora tudo foi ao vivo. Na rede UCI, durante o mundial, a média de ocupação das salas foi de 200 espectadores por transmissão, número semelhante ao alcançado pelos filmes nas temporadas de férias.

"Fui ver o jogo do Uruguai contra a Itália na Copa (à esquerda). Achei legal, mas faltou explorar melhor a tecnologia oferecida pelo cinema. Não havia uma estrutura de captação preparada para aquele formato. Eles simplesmente pegaram a transmissão da Globo e jogaram no telão, mas gostei muito da experiência mesmo assim”
João Pedro Murakami, estudante

Música para ver e ouvir

Shows exibidos nos cinemas como se fossem filmes não são novidades. No passado, o formato foi explorado em clássicos como Stop making sense (1984), da banda Talking Heads, e Ziggy Stardust (1973), do cantor David Bowie. Com as novas possibilidades do mercado cinematográfico, a prática voltou com tudo. A banda U2 (foto), por exemplo, lançou um show filmado e projetado em 3D. Foo Fighters e Red Hot Chili Peppers trabalharam com transmissões ao vivo. Em alguns casos, shows antigos são resgatados e projetados com imagens e sons restaurados, como ocorreu com Paul McCartney (Rockshow, 1976), Rolling Stones (Live Texas, 1978) e Queen (Hungarian Rhapsody, 1986), mostrados no Recife nos últimos anos. Elton John e Chemical Brothers também chegaram às telas recentemente.