ISABELLE BARROS
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Publicação: 20/07/2014 03:00
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QuadroO dia retrata a Usina doMeio, onde hoje está o bairro residencial da Várzea |
Camaragibe, São Lourenço da Mata, Estrada dos Remédios, Madalena. Todas essas localidades do Recife e da Região Metropolitana foram objeto de observação do pintor pernambucano Telles Júnior (1851-1914), cujo centenário de morte é completado em 2014. Poucos sabem que o nome, que batiza uma rua no bairro dos Aflitos, fez parte da arte pernambucana durante quase três décadas, com paisagens que reproduziam com riqueza de detalhes os locais por onde passou e a época na qual viveu.
O vento, a luminosidade e a paisagem campestre dos arredores do Recife são parte integrante das telas do artista, um dos nomes mais conhecidos da arte pernambucana da segunda metade do século 19. “Telles Júnior restaura, de certa forma, o registro da paisagem local seguido pelo holandês Frans Post, no século 17. Sua pintura era um registro quase fotográfico do seu tempo. Suas telas eram crônicas da cidade”, opina Marisa Varella, integrante da reserva técnica do Museu do Estado de Pernambuco, onde está parte do acervo do artista.
A influência de Telles Júnior se estende a artistas contemporâneos como Dantas Suassuna, que dedicou ao artista a exposição O silêncio, o caos, o labirinto e o altar, em cartaz no Centro Cultural Correios. “Conheci a obra dele quando ainda era menino, ao visitar o Museu do Estado com meu pai (o dramaturgo Ariano Suassuna). Dois quadros dele, Paisagem inacabada e Cobra e borboleta me impactaram muito. Ele pintava o momento e usava bem o vento, as cheias e a chuva como elementos para a pintura. Ele não estava ligado aos cânones europeus. Para mim, ele deixou legado na pintura nacional. Quando se passa pelo século 19, é preciso estudá-lo”.
O pintor José Cláudio faz coro à importância de Telles Júnior para a pintura pernambucana, mas alerta para a necessidade de contextualização do tempo em que ele viveu. “É como se ele tivesse implantado a nossa pintura, olhado o ambiente natural, sem simplesmente repetir a pintura europeia. Ao mesmo tempo, é preciso ressaltar que nas notas autobiográficas que ele deixou, transparecia um certo desespero por não ter nada em que se basear. No ano em que Telles Júnior morreu, a pintura brasileira estava muito atrasada com relação à Europa. Ainda assim, havia raríssimas pessoas que tinham ido à Europa e mesmo elas não encontravam nada do que hoje é tido como a grande pintura da época”.
No entanto, o legado de Telles Júnior não é unanimidade. Segundo o crítico de arte Weydson Barros Leal, as obras do pintor devem ser vistas sob um viés crítico. “É um pintor acadêmico. Não se pode dizer muito mais do que isso dele, que tem uma importância para a pintura pernambucana muito maior do que para a brasileira. Telles Júnior pintava conforme as regras que aprendeu. Tinha pouca imaginação, pouca invenção, as coisas mais importantes que podem existir em um artista. É interessante vê-lo constar nos livros de história, justamente para se saber o que os artistas de hoje não precisam fazer”.
Cheia da Estrada dos Remédios
Os alagamentos não são novidade no Recife, como mostra o quadro pintado nos arredores da Estrada dos Remédios, em 1869
Estrada dos Remédios
A paisagem campestre onde hoje fica a avenida que faz a ligação entre as zonas sul e norte do Recife foi transferida do Liceu em 1930
Paisagem (Madalena - fundos da casa do pintor)
A diferença entre o bairro da Madalena de ontem e de hoje fica explícita no quadro, pintado em 1896, da coleção do Comendador Baltar.
Cabo de Santo Agostinho
A paisagem do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife, foi pintada por Telles Júnior em 1880. O quadro foi adquirido por meio de leilão e pertencia ao acervo do Comendador Baltar, que tinha uma coleção de quadros do pintor.
Onde ver
Para ver as obras de Telles Júnior in loco em Pernambuco, é preciso ir ao Museu do Estado, nas Graças, onde estão 23 telas do artista. Uma delas está em processo de restauração, outra, exposta no casarão principal do museu e o restante, abrigada em uma exposição permanente no Espaço Cícero Dias, prédio anexo do museu. O Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco (MAC), no Sítio Histórico de Olinda, conta com mais três obras do artista no acervo. No Rio de Janeiro, o Museu Nacional de Belas Artes conta com trabalhos do artista, assim como o Museu de Arte Contemporânea do Ceará.
Quem foi
Jerônimo José Telles Júnior nasceu no Recife, mas se mudou devido à profissão do pai - marinheiro - e passou a adolescência no Rio Grande do Sul, onde começou a pintar como aluno de Eduardo de Martino. Em 1870, se muda para o Rio de Janeiro, mas passa pouco tempo na antiga capital do país e volta ao Recife. Torna-se professor a partir de 1880, passando pelo Liceu de Artes e Ofícios. Também se envolve com política e elege-se deputado estadual em 1891. A partir dessa década, ganha reconhecimento como artista, tendo participado da Exposição Internacional de Chicago e das expsoições gerais de belas-artes do Rio de Janeiro, onde consegue medalha de ouro.
"Artista essencialmente pernambucano, mais do que isto, pintor da mata, não o pintor do sertão”
Oliveira Lima (1867-1928), escritor, crítico e embaixador do Brasil
"Ninguém até hoje no Brasil, que tenha sido, como pintor, mais de sua região e, dentro de sua região, de sua terra, do seu barro, do seu massapé do que Teles Júnior foi, não difusamente, do Nordeste mas, intensa e concentradamente, de Pernambuco, e em Pernambuco, do porto do Recife, dos montes de Olinda, das águas, das casas e dos coqueiros do litoral e, principalmente, da chamada mata, isto é, da sub-região de massapê, outrora de grandes matas, que os engenhos-de-açúcar marcaram com os traços de sua ocupação patriarcal e aristocrática”.
Gilberto Freyre (1900-1987), sociólogo e aluno de pintura de Telles Júnior