Prazer
Garota de programa famosa por blog com experiências como prostituta publica livro sobre as desventuras sexuais vividas com clientes
Tiago Barbosa
tiagobarbosa.pe@dabr.com.br
Publicação: 10/08/2014 03:00
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Lola Benvenutti: formada em letras, mestranda e, por opção, prostituta |
Na antessala da maioridade, Gabriela da Silva tomou uma decisão inusitada para dar vazão ao desejo sexual nutrido desde a infância: adotou codinome e resolveu cobrar para transar. Era o passo mais ousado de um apetite libidinoso com o qual havia perdido a virgindade aos 11 anos em uma transa com um homem de 30 conhecido pela web. “Eu caçava uns caras na internet que achava que não tinham ‘perfil de assassino’. Já tinha curiosidade, era um processo natural”, diz. Lola Benvenutti seguiu adiante na cruzada pelo prazer. Criou um blog e passou a relatar as experiências com os clientes. Angariou fãs, fama e reuniu a vivência em O prazer é todo nosso (Editora Mosarte, R$ 33,90, 169 páginas).
Formada em letras pela Universidade Federal de São Carlos (SP), a mestranda ampliou a lista de garotas de programa cujas experiências viraram livro. O caso mais notável no Brasil atende por Bruna Surfistinha (nome de guerra de Raquel Pacheco), inspiração para o filme homônimo estrelado por Deborah Secco e autora de O doce veneno do escorpião. Somam-se ao grupo a ativista brasileira pelos direitos da prostituição Gabriela Leite, Paula Lee, além das irmãs holandesas Fokkens, gêmeas referências no assunto aos 70 anos (veja quadro). Entre a internet e a vida real, todas encontraram nas letras o modo de levar aos quatro cantos do mundo os devaneios vividos entre quatro paredes.
As histórias de Lola frutificaram na web, o paraíso fértil do interesse sexual onde uma em cada quatro pesquisas se refere a sexo e 12% dos sites contêm pornografia - como atesta pesquisa divulgada pela The Week em março. Os relatos se particularizam pela defesa da prostituição como meio para extravasar a sexualidade. A prostituta foge do estereótipo de escolher a profissão como obra de traumas ou falta de oportunidades. “Não trato a prostituição como fardo. Sexo torna a pessoa melhor”, crava. No livro, há preocupação em extrair prazer das situações: no strip masculino, diante de clientes não atraentes ou indecisos quanto à sexualidade. A linguagem simples e o passeio por dúvidas cotidanas - muitos a procuram para fazer perguntas - aproximam o leitor.
“Livros assim mostram o outro lado da história. É uma voz”, pontua a coordenadora da Associação das Profissionais do Sexo de Pernambuco, Nanci Feijó. “É uma forma de elas se tornarem melhores do que as que não têm como se embrenhar no caminho das letras”, opõe a doutora em antropologia pela UFPE Cecília Patrício. Acostumada a gerar reações, Lola, 22, estuda propostas para levar a história ao cinema ou teatro. Dona de um apartamento nos Jardins, bairro rico de São Paulo, pretende manter clientes e blog: “Graças à profissão de puta, fiz o livro. Juntei duas paixões: sexo e literatura”. Pelo visto, a fome sexual está longe de ser saciada.
Entrevista Lola Benvenutti
Como foi a escolha da profissão?
Foi natural. Sempre tive uma visão romântica da profissão. E sempre gostei muito do assunto. Me descobri cedo sexualmente. Aí, decidi cobrar. Já tinha curiosidade. Eu caçava homens na internet que não tinham ‘perfil de assassino’. Mas tive muita sorte. Nunca me aconteceu nada de ruim. Lembro até da primeira vez, vestia uma calça jeans, não sei como não correram. Eu já tinha defendido meu trabalho de conclusão de curso, decidi criar o blog. Sabia que sofreria preconceito.
E sofreu?
Quem estava afastado não se aproximou. A gente é criado para não achar isso normal. Para a minha mãe, foi difícil. Um professor chegou a publicar um poema no Facebook, dizendo que eu fazia por dinheiro, que grandes intelectuais não se importam com dinheiro, que não era inteligente. Uma mulher com cujo marido saí riscou meu carro. Dia desses, quase era barrada em um bar por ser prostituta. Ser puta é uma luta diária. Você tem que estar armada sempre.
O livro permitiu falar disso?
Vejo-o como uma chance de ser vista como pessoa séria. Não trato a prostituição como fardo. O sexo torna a pessoa melhor. Nele, discuto sexualidade, tenho carinho pelos seres humanos. Acredito que nem toda prostituta é vitimizada. Mas as pessoas tratam de forma deprimente, e as garotas se convencem disso, não se aceitam. Os filhos acabam oprimidos na escola, sofrem. Não enxergo assim. Para mim, foi um modo de realizar minhas vontades.
A prostituição é importante?
A prostituta é fundamental para a ordem social. O cara vai para casa calmo. É alguém que não toma o homem da mulher. Não quer ser amante.
Da cama ao livro
Gabriela Leite
Apontada como a principal ativista pelos direitos da prostituição no país. Socióloga e prostituta, trabalhou em redutos boêmios de São Paulo e Minas Gerais. Fundou a ONG Davida, a Daspu e a Rede Brasileira de Prostitutas. Escreveu Filha, mãe, avó e puta (Objetiva, R$ 41,90) . Morreu em 2013, aos 62 anos.
Raquel Pacheco
Com o codinome Bruna Surfistinha, saiu da casa dos pais adotivos e virou prostituta. Narrou experiências em blog, estrelou filmes pornográficos e publicou O doce veneno do escorpião (Panda Books, R$ 35,90). Filme baseado na vida dela foi o terceiro em bilheteria entre os nacionais de 2011.
Paula Lee
Brasileira foi prostituta em Portugal e permaneceu na carreira quando regressou ao país. Fez périplo por boates, passou a relatar as experiências em blog e lançou o livro Alugo meu corpo (Planeta do Brasil, R$ 39,90), sobre a trajetória.
Martine e Louise Fokken
As irmãs holandesas trabalharam no bairro da Luz Vermelha, reduto da prostituição no país, onde a prática é regulamentada. Em As senhoritas de Amsterdã (L&PM, R$ 39,90), duas das mais antigas prostitutas em atividade no local descrevem as experiências de mais de 50 anos na labuta.