Lenne Ferreira
lenneferreira.pe@dabr.com.br
Publicação: 12/10/2014 03:00
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Mulheres do projeto Arrete cantam, dirigem e editam vídeos: intuito é serem protagonistas das ações culturais |
O movimento hip hop recifense ganha cada vez mais força. Bailes, batalhas de MC’s, de breakdance e shows de artistas nacionais preenchem a agenda cultural. Nomes do graffiti escalaram uma posição menos marginalizada. As conquistas, entretanto, parecem não favorecer as mulheres, que reclamam da falta de convite, incentivo e respeito na cena local. O problema é tão evidente que uma premiação da Fundação Nacional de Artes deste ano utiliza como um dos critérios para pontuação dos projetos de hip hop a promoção de “tratamento prioritário ou diferenciado às questões de gênero, sobretudo a inclusão de mulheres como protagonistas da iniciativa cultural”. Mas, aos poucos, as “minas” tentam mudar a realidade e demarcar território em picapes, palcos e muros da cidade.
Em meio aos inúmeros bailes neste ano - dez só do Pernambuco tem Rap, uma vez por mês no Recife Antigo -, nenhum contou com atrações femininas. Isso porque, na Região Metropolitana, apenas um grupo de mulheres está em atuação. Formado por quatro garotas que escutam rap desde a adolescência, o projeto Arrete nasceu no ano passado e reúne as MC’s Yannaya Juste, Nina Rodrigues, Wedja Lins e Rany Wiston. O grupo lançou dois clipes de forma independente na web: “Arrete não” e “No máximo respeito”. As rimas falam sobre um bonde de mulheres que não aceitam atuação secundária. “Além de cantar, também dirijo e edito os vídeos. A mulher precisa ser protagonista de sua história”, defende Yanaya.
Apesar do empenho, até agora, o Arrete só foi convidado para quatro eventos. Embora o espaço também seja limitado para os homens, eles contam com a solidariedade dos parceiros, que organizam encontros independentes. “Somos ignoradas pelos produtores e faltam projetos de incentivo.”, diz Yanaya, completando que é comum receber convites para se apresentar de graça. “Só aceitamos por uma causa social”.
As oportunidades são ainda mais raras no interior. MC Negrita mora em Carpina e é a única menina a participar do Duelo Beira Rio, em Paudalho, evento do Matutos Bons de Rima. “Minha família é evangélica, mas me apoia. Sempre que posso, venho ao Recife para participar das batalhas”. Aos 18 anos, Negrita atua como professora de dança, e faz da rima instrumento de empodeiramento. Com letras sobre a força feminina, ela não tem disco gravado e nunca foi convidada a se apresentar profissionalmente.
A tímida presença feminina não se dá apenas no rap. Não encontramos DJ que se seja reconhecida na cena hip hop além da olindense Preta On. Ela começou em 2007, promovendo batalhas na Cidade Alta e foi integrante do extinto Guerreiras do Hip Hop. “A cena sempre foi difícil para a mulher, e isso desmotiva. Muitas meninas da minha época buscaram outros caminhos”, conta ela, que concilia a maternidade com a vida acadêmica e a carreira de DJ.
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Aos 18 anos, MC Negrita faz letras sobre a força feminina, dá aula de dança, mas ainda não tem disco gravado |
Para a Associação Metropolitana do Hip Hop em Pernambuco, a participação das mulheres na cena é sazonal. “Um dos fatores que contribuem para que elas se afastem é o papel social que assumem quando casam e têm filhos”, pontua o coordenador geral, Sérgio Sociólogo. A entidade conta com 40 associados. Só cinco são mulheres.
Os compromissos sociais e a falta de incentivo não são os únicos empecilhos. Elas apontam o machismo como entrave à ascensão feminina. DJ Preta On desabafa: “Fui convidada a tocar num evento. Éramos três DJs, dois homens. Cada um teria 30 minutos. Na minha vez, o produtor disse que não dava mais tempo”. O episódio não é pontual, diz a fundadora da Frente Nacional Mulheres no Hip Hop (FNMH), Lunna Rabetti. “Elas não conseguem dar sequência à carreira porque casam e os maridos ‘ciumentos’ a impedem de continuar. Sem apoio, fica difícil conciliar casa/trabalho/faculdade/hip hop”.
O que elas cantam
“Na capela, a mulher merece respeito.
Seja no rap ou na favela, respeito e igualdade pois ela tem capacidade e de mostrar que a rima faz parte da sua cidade”.
MC Negrita
“A minha meta e conquistar meu espaço no Rap sem querer ser, nem me crescer, mas mostrar que a minha rima compete”
Arrete
“Em tempos de luta constante me provei guerreira
Não desespero
Não me deixei abater
No decorrer do trabalho fui conquistando respeito
Direito de não parar e persistir naquilo que eu gosto
Várias quedas com resistência eu me reergui
Não me desiludi
Tenho fé no meu trabalho
Rap é o amparo alternativo novo meio de vida”
Cris, grupo SNJ
O que eles dizem
As meninas se sentem oprimidas porque são minoria, mas as poucas mulheres que assumiram o desafio conquistaram destaque. Claro que o machismo existe e precisamos combatê-lo, mas é preciso atitude para lutar pelo seu espaço e se manter dentro dele. Hip hop é luta”
Discursa Sérgio Sociólogo, coordenador da Associação Metropolitana do Hip Hop em Pernambuco
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As integrantes da Girls Domination produzem vídeos junto com a equipe do Arrete |
O machismo não é um problema do hip hop. Ele acontece em outros seguimentos também, principalmente no Nordeste. As meninas têm de se organizar e ocupar seus espaços. Precisamos de mais mulheres no hip hop para discutir questões de gênero e combater a discriminação”.
MC Tiger, ex-integrante do Faces do Subúrbio. Ele defende o uso do movimento pelas mulheres para expressar insatisfações.
Não falta empenho das mulheres do hip hop. O que falta é apoio e os manos tem que chegar junto, incentivar suas irmãs, esposas, filhas. Também faltam políticas públicas de incentivo e inclusão da mulher”.
Lunna Rabbeti, da FNMH.
Entrevista >> Negra Li
“Ganhei fama de “mala” por causa da minha postura”
Como era o cenário para a mulher quando você iniciou no hip hop?
As atitudes machistas existiam camufladas. Só entendi isso depois, pois existiam certas regras como “não dar risadinha”, “usar roupas largas”, “cumprimentar homens apenas com aperto de mão”. Isso, de certa forma, me preservou, pois acabei ganhando fama de “mala” por causa da minha postura séria.
Como as mulheres podem lidar com situações machistas?
Acho que a autoestima nessas horas é muito importante e o diálogo dentro de casa. Minha família sempre discutiu essas questões de gênero e isso me ajudou muito a lidar com as situações.
Que dica você daria para as mulheres que estão começando agora?
Devem estudar música, agir com profissonalismo e mostrar que o hip hop merece estar no mesmo lugar que outros gêneros importantes da música.
Como você avalia a participação feminina no atual cenário nacional?
Quando comecei, poucas mulheres tinham seu trabalho divulgado na mídia. Hoje, temos ótimas representantes que me enchem de orgulho como Flora Matos, Karol com K, entre outras. Elas compõem, ajudam a produzir seus álbuns e não ficam devendo para nenhum homem em suas performances nos shows.
Luta no livro
Em 2012, a Frente Nacional lancou o livro Perifemininas, já na segunda edição (Literarua. R$ 32). A publicação conta com a contribuição de MC’s, b. girls, graffiteiras, Djéias (feminino de Djs), poetisas e militantes que contam histórias de vivência e luta pelo movimento. Participaram do projeto pioneiras como Sharylaine, primeira mulher a gravar um LP de rap no Brasil.
Por dentro
Cinco elementos formam o movimento: conhecimento, breakdance, grafitti, DJ e mestre de cerimônia (MC). Uma história que começou na década de 1970 nos guetos dos Estados Unidos, reunindo negros e pobres insatisfeitos com as injustiças sociais da época. Com esse tom, o movimento seguiu conquistando adeptos pelo mundo e rapidamente se tornou porta-voz de minorias para questionar condição social, econômica e política. Sérgio Sociólogo pontua: é até contraditório que um movimento feito por excluídos provoque algum tipo de segregação.