Agora é cuidar Maracatu de baque solto, de baque virado e cavalo marinho viram patrimônio nacional. Mas realizadores exigem medidas de preservação dos folguedos

Rebeca Silva
rebecasilva.pe@dabr.com.br

Publicação: 04/12/2014 03:00

Grupos de maracatu de baque solto se concentram, sobretudo, na Zona da Mata Norte (PAULO PAIVA/DP/D.A.PRESS)
Grupos de maracatu de baque solto se concentram, sobretudo, na Zona da Mata Norte

Quando criança, José Manoel da Silva, de 61 anos, assistia às apresentações de maracatu de baque solto junto com o pai na área rural de Nazaré da Mata, Zona da Mata pernambucana, onde moravam. “Eu trabalhei na roça e meu pai era cortador de cana. As sambadas aconteciam nos engenhos”, contou. Hoje, como mestre de cabloco do Cambinda Brasileira, fundado em 1926, um dos mais antigos do Brasil em atividade, dá continuidade ao folguedo, que mistura dança, música e poesia e faz parte do ciclo canavieiro do fim do século 19 e início do 20. Ao lado do maracatu nação (ou baque virado) e do cavalo marinho, duas outras representações típicas do estado, a manifestação vivida pelo brincante acaba de ser alçada ao posto de patrimônio cultural do Brasil - uma honraria tripla concedida ontem pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O reconhecimento abre caminho para a ampliação das políticas de incentivo e de preservação das manifestações populares, cujas características, muitas vezes, esbarram na falta de sensibilidade da população ou dos governantes. Em fevereiro deste ano, por exemplo, as sambadas de maracatu rural na Zona da Mata, realizadas madrugada adentro, sofreram com restrições de horário impostas pelo poder público, acusadas de incomodar os moradores. O impasse só foi resolvido com uma série de reuniões entre os brincantes e os órgãos envolvidos, como polícia e ministério público.

O presidente do Iphan em Pernambuco, Frederico Almeida, acredita no fortalecimento de medidas para monitorar e salvaguardar o patrimônio a partir da concessão do título nacional. “Vai evitar qualquer ação que possa descaracterizar as expressões e estimular que elas existam, trabalhando as agremiaçãoes para se capacitar”, observou. Segue na linha o secretário de Cultura de Pernambuco, Marcelo Canuto: “É uma forma de garantir a permanência para as próximas gerações”. O pedido junto ao Iphan partiu do estado.

A antropóloga e especialista em danças populares Maria Acselrad pondera, no entanto, que é preciso ouvir as agremiações para evitar que os paramêtros de incentivo do registro fiquem apenas no papel. “Se estão vivas é porque já possuem os mecanismos de sobrevivência, de salvaguarda. Há, entretanto, um processo de desvalorização por parte dos prefeitos, das organizações de evento que fazem uma política perversa. Isso tem consequências ruins”, disse.

O coordenador administrativo da Associação dos Maracatus de Baque Solto, entidade representativa de 108 agremiações e 15 mil brincantes, é otimista quanto ao incentivo para os folgazões preservarem a cultura. “Porque ela é única, singular e engloba várias culturas, como o caboclinho, o caboclo de lança e a ciranda”, afirmou Osmar Barbalho.
O cavalo marinho vive situação complicada entre os folguedos. Para o bailarino, ator e músico Helder Vasconcelos, ele passa por momento de transição, com o fim dos engenhos e trabalhadores com terras arrendadas, que davam sustentação à manifestação. O perfil do público, que teria deixado de brincar e ver o evento, também mudou. “Hoje é trio elétrico com qualquer banda. É uma transformação violenta, e o governo tem que manter os principios que regem as tradições. O título tem que representar a manutenção da essência”, frisou.

Baque virado sobrevive em 26 grupos, diz a Fundarpe (INÊS CAMPELO/DP/ D.A PRESS)
Baque virado sobrevive em 26 grupos, diz a Fundarpe
Os patrimônios

Como a Fundarpe identificou as manifestações culturais

Cavalo marinho

14 grupos


Onde estão
Pedra de Fogo, Condado, Aliança, Paulista, Araiçoaba, Glória do Goitá, Lagoa de Itaenga, Feira Nova

Definição
“Brincadeira popular” com performances dramáticas, musicais e coreográficas, cujos personagems são, em geral, trabalhadores da zona rural. No passado era realizado nos engenhos de cana-de-açúcar.

O inventário
Imaginava-se que o cavalo marinho corria risco de desaparecer, mas o levantamento mostrou que 14 grupos estão em atividade. Também identificou diferentes “estilos” de brincar.

Maracatu nação (baque virado)

26 grupos


Onde estão
Recife, Igarassu, Jabooatão dos Guararapes, Olinda

Definição
Congrega relações comunitárias com vínculo com o sagrado, por meio dos xangôs e jurema sagrada (denominação da religião de características afro-ameríndias que cultua mestres e mestras, caboclos e outras entidades). Remontar às antigas coroações de reis e rainhas congo, com elementos ligados à memória afrodescendente.

O inventário
Identificou as características da expressão que conjuga um conjunto musical percussivo a um cortejo real. Os grupos saem às ruas em desfile em geral no período carnavalesco.

Maracatu baque solto (ou rural)

93 grupos


Onde estão
2 no Agreste, 10 na Região Metropolitana do Recife, 80 na Mata Norte  e 1 na Mata Sul

Definição
É composto por dança, música e poesia numa associação ao ciclo canavieiro da Zona da Mata Norte. Foi fundado em engenhos por trabalhadores rurais, entre o fim do século 19 e início do 20

O inventário
Apesar da nomeação “maracatu rural”, também tem representação em áreas urbanas. Novos grupos estão sendo criados. É resultado da fusão de manifestações populares - cambindas, bumba-meu-boi e cavalo marinho, coroação dos reis negros. Tem forte tradição na palha da cana.

O processo
A concessão do título pelo Iphan ocorreu após análise de dossiês preparados pela Fundarpe. Vinte e três conselheiros e 13 representantes da sociedade civil concordaram com a honraria homologada ontem.