Larissa Lins
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Marina Simões
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Publicação: 18/01/2015 03:00
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Com mais de 20 anos de carreira, Ivete Sangalo é a maior representante do gênero na atualidade |
A década de 1980 seguia firme com lycras, disco pants e polainas em cores cítricas quando o músico Luiz Caldas apareceu no programa Cassino do Chacrinha, em 1985, descalço e com brincos de pena. Cantou e dançou a música Fricote (“Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear…”), dando à luz o ritmo que ficou conhecido como deboche. E, assim, há 30 anos, nascia o axé. Caldas foi introduzido à plateia como Rei da Bahia, alcançando nos meses seguintes 100 mil cópias vendidas do álbum Magia, só na terra natal. O novo estilo, derivação do já maduro frevo pernambucano, envolveria o Pelourinho, ganharia o Brasil e cultivaria entre os dois estados nordestinos uma relação musical de amor e ódio de mais de três décadas. A convivência tumultuada chegou a separar os gêneros, fechar as portas do carnaval pernambucano ao irmão baiano e execrar músicos entusiastas do estilo caçula - à revelia da adesão popular nas rádios e ruas.
O germe das críticas, no entanto, remonta ao nascimento do axé, ritmo carregado de reggae, merengue, galope, ritmos afro-latinos e apelidado de “frevo baiano”. Em 1987, o jornalista Hagamenon Brito usou pela primeira vez a expressão “axé music”, em tom pejorativo, para designar a produção musical que considerava brega, “fraca” em comparação ao punk e rock internaionais da época. Acrescentou o sufixo em inglês “music” para a ironizar a pretensão dos artistas locais de seguir carreira no exterior. “Queimei a língua. O axé não somente ganhou o mundo, levando nomes como Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Carlinhos Brown a outros países, como trouxe Michael Jackson e Paul Simon para conhecer as batidas e gravar na Bahia”. O rótulo foi abraçado pela primeira vez pela Banda Beijo, em 1992, no álbum Axé music: Aconteceu.
Hagamenon atesta que o axé foi considerado um movimento, assim como o manguebeat de Chico Science. A comparação com a cultura pernambucana se intensificava conforme o “frevo baiano” ascendia, acirrando uma rivalidade regional. No eco de Luiz Caldas, estouraram Carlinhos Brown, Sarajane, Daniela Mercury e as bandas Beijo, Araketu, Cheiro de Amor, Babado Novo, Asa de Águia, Eva, É o Tchan! e Chiclete com Banana. “Assim como o sertanejo e o pagode romântico, o axé estourou a partir do Plano Real, quando as pessoas puderam consumir bens supérfluos e deram lucro sem precedentes às gravadoras de discos”, analisa Hagamenon. O veterano frevo perdia espaço - sobretudo no carnaval.
As vendas mensuravam o crescimento do gênero. Entre 1995 e 1999, É o Tchan! acumulou cinco discos de platina e cinco de diamante (com mais de 10 milhões de cópias vendidas). Na esteira dos lançamentos, surgiu o fenômeno das micaretas, festas de carnaval fora de época capazes de arrastar multidões e gerar lucros infindáveis com a venda de abadás (ingresso-camisa) e camarotes. A febre ferveu a capital do frevo: a Avenida Boa Viagem virou palco, a partir de 1993, para o Recifolia, com repertório predominantemente baiano. Nas ladeiras de Olinda, os frevos de bloco eram abafados por caixas de som propagando hits do axé nas sacadas dos sobrados. A relação entre os gêneros estremeceu quando uma lei municipal chegou a proibir o som mecânico acima de 70 decibéis no Sítio Histórico. Na Zona Sul do Recife, outro golpe: os moradores da Avenida Boa Viagem pressionaram a prefeitura pelo fim do Recifolia, extinto em 2003.
A preferência pelo axé no país, no entanto, sofreu abalos no século 21. Pesquisa da Crowley Broadcast Analysis divulgada em dezembro passado evidenciou a queda do ritmo junto aos ouvintes. Psirico (Lepo lepo) e Ivete Sangalo (Tempo de alegria) foram os únicos baianos entre as 100 músicas mais tocadas nas rádios.
Musas como Ivete e Cláudia Leitte deixaram os grupos e investiram em composições menos frenéticas, com roupagem pop e MPB, para impulsionar a carreira internacional. Em 2011, Tuca Fernandes deixa a Jammil e Uma Noites para seguir carreira solo, assim como fez Saulo Fernandes em 2012, ao anunciar a saída da Banda Eva após 11 carnavais. Bell Marques e Durval Lélys fizeram o mesmo em 2014. “Já escrevi sobre a morte do axé nos anos 2000, mas hoje vejo que, apesar de ter perdido espaço, o gênero vai continuar”, sentencia Hagamenon.
Cara de um...
Os traços em comum entre o axé e o frevo
Ritmos de batidas binárias
Explosão em manifestações carnavalescas
Coreografias frenéticas
Figurinos coloridos, peças curtas
Letras fáceis de decorar
Composições de duplo sentido
Influência do galope
Execução em carros alegóricos
Linha do tempo
Caminhos de axé e frevo
1950
Dodô e Osmar percorrem ruas de Salvador ao lado de um Ford 1929, tocando frevo com guitarras de fabricação própria. Dali, surgiriam os trios elétricos.
1985
Luiz Caldas sobe ao palco do Cassino do Chacrinha, na TV, e canta Fricote, marco do gênero axé. Mistura frevo, batidas afro-latinas, galope, merengue e reggae.
1987
Em tom de sátira, o jornalista Hagamenon Brito cria o termo axé music, para designar um gênero que considerava de mau gosto.
1992
Daniela Mercury lança
O canto da cidade, vendendo
mais de 2 milhões de cópias e a música-título do álbum estoura nas rádios do país.
1993
Ivete Sangalo assume os vocais do Bloco Eva, criado em 1980, que se torna Banda Eva, e grava primeiro álbum, com Adeus bye bye e Leva eu.
1993
A Prefeitura do Recife cria o carnaval fora de época Recifolia, na Avenida Boa Viagem. Os blocos Beijoca (que trazia Banda Beijo, com Netinho nos vocais) e Maluco Beleza (Chiclete com Banana, Ricardo Chaves e Nonato Negão) se apresentam na primeira edição.
1994
O bloco Adrenalina (com a banda Cheiro de Amor), no auge do sucesso, se apresenta na orla de Boa Viagem com a vocalista Márcia Freire.
1995
Antigo Gera Samba, rebatizado para É o Tchan!, lança álbum homônimo e recebe disco de platina duplo. Surgem hits como Melô do Tchan (Pau que nasce torto), Beco do siri e Paquerei.
1996
Em carreira solo, Netinho lança Netinho ao vivo, com o hit Milla, regravado em oito idiomas, e recebe disco de diamante pela tiragem do álbum.
1996
Timbalada lança álbum Mineral, com o hit Água mineral, que estoura nos carnavais de todo o país, inclusive nas ladeiras de Olinda, em Pernambuco.
1999
Almir Rouche e Banda Pinguim lançam álbum Ao vivo, gravado em micaretas de diferentes estados. Galo eu te amo e A dança do tubarão estão na lista. Frevo, axé e samba se misturam entre os ritmos.
2001
Em entrevista ao Diario,
o ex-secretário de Turismo Eduardo Cadoca declara:
“Se colocar as coisas daqui, ninguém vai”, justificando as músicas do Recifolia, calcadas
no ritmo baiano.
2001
Em Olinda, a Lei Municipal 5306/2001, sancionada pela prefeita Luciana Santos, proíbe utilização de som em caixas mecânicas com potência superior a 70 decibéis. Luciana alega que o intuito é preservar a expressão cultural do frevo, que estaria perdendo sua identidade. As multas chegam a R$ 5 mil, com fiscalização rigorosa. Surge a polêmica em torno da decisão, considerada proibição ao axé, ainda mais popular na folia de Momo.
2001
É delineado o Carnaval Multicultural do Recife, anunciado pelo prefeito João Paulo, recém-empossado. Com pretexto de contemplar vários ritmos, são criados polos da folia, dedicados às batidas afro, ao samba e ao maracatu. O axé é escanteado da festa.
2003
Após mais uma edição da micareta, com participação de Ivete, o prefeito do Recife, João Paulo, anuncia que o Recifolia não seria mais realizado em Boa Viagem, por exigência dos moradores. “A decisão do cancelamento é uma decisão dos organizadores. A prefeitura vai apenas definir o local e os critérios que serão exigidos para que o evento possa ocorrer", declarou ao Diario. Aquele seria o último ano do evento.
2010
Galo da Madrugada, criado por Enéas Freire em 1978, estreia no carnaval de Salvador. Mais de 50 representantes do bloco são convidados por Carlinhos Brown para o tradicional arrastão local. “Percebi que os baianos também amam frevo. Não há motivo para conflito”, diz Nena Queiroga.
2014
A saída de Bell Marques do Chiclete com Banana e Durval Lélys do Asa de Águia expôe conflitos no movimento. Apesar de a emancipação dos vocalistas ser constante na história do axé, a separação da vez descortinou disputas financeiras e a excessiva comercialização do carnaval baiano, demarcado por camarotes e blocos. Críticos condenam a predominância dos negócios sobre o espírito festivo do axé.
Eles fazem axé no Recife
Na década de 1990, enquanto na Bahia se fazia samba-duro, no Recife as bandas Ginga e Malícia, Ourisamba, Borocochô e Toque Maneiro se inspiravam no axé para produzir em ritmo de pagode afoxé ou pagode ijexá. A maioria se dissolveu com os anos. Mas hoje há quem aposte no estilo diante da enxurrada de sertanejo, brega e pagode. A principal arma é recuperar sucessos antigos.
Axé Retrô
Projeto liderado pelo cantor Ruy Araújo, 30 anos, que resgata hits do axé das décadas de 1980 e 1990, modernizando os arranjos com pegada mais atual, além de incluir canções autorais. “Axé é uma música que não toca em rádio, mas, quando começa nas festas, todo mundo pira”, diz o cantor Ruy Araújo.
Banda Leva
O pernambucano Tiago Giba comanda grupo de axé com influências no reggae, rock e pop. O nome do grupo foi inspirado na canção Leva eu, da Banda Eva. Com seis anos de carreia, os músicos acrescentam à música acordes do frevo e batuques do maracatu. Banda também é conhecida por fazer tributo ao Asa de Águia e ao Chiclete com Banana.
Expresso Folia
Com 11 anos de estrada e cinco discos gravados, a banda é reconhecida por acrescentar as batidas de músicas eletrônicas à pegada do axé. Grupo também passeia por estilos como sertanejo, arrocha, samba e reggae. O mais recente trabalho, Axé com tudo, reúne grandes sucessos de Saulo, Jammil, Timbalada e músicas autorais, entre elas o novo hit Namora bobo. “Não é segredo que o gênero está em queda. O sertanejo roubou espaço. Hoje, axé é música de festa, que funciona para eventos coorporativos, aniversários de 15 anos e festas de casamentos”, diz o vocalista Rafa Coutinho.
Silvana Salazar
Há dois anos tem um projeto solo e se prepara para lançar o disco Chama Salazar, com músicas autorais e regravações e características do axé. A cantora procura se afastar de rótulos, fazendo uma mistura de ritmos e sonoridades, sempre com a percussão em evidência.