Essa mulher
No ano em que completaria 70 anos, Elis Regina, a "maior cantora do país", como ainda é conhecida, ganha biografia de fôlego, filme e site oficial
GABRIEL DE SÁ
edviver.pe@dabr.com.br
Publicação: 17/03/2015 03:00
![]() | |
Intérprete gaúcha morreu em 1982, aos 36 anos |
Assim era Elis: complexa e contraditória. Ela ia à feira e, caso percebesse que os trocados lhe faltavam no bolso, pedia para pendurar o alface. Isso quando já era “a maior cantora do Brasil”. Apesar do temperamento agressivo e bipolar — ou “ciclotímico”, como preferiam à época —, a artista não se comportava como diva. Pelo contrário, era do povo e a ele queria pertencer. Não à toa, despia-se nas entrevistas como se estivesse em uma sessão de terapia.
Há cinco anos, o jornalista Julio Maria se debruça sobre a vida e a obra da cantora, escancaradas nos discos que deixou, nos vários depoimentos que concedeu às rádios e televisões e na memória dos que conviveram com ela. Julio fez cerca de 130 entrevistas com pessoas que viram a artista de perto, e o resultado está em Nada será como antes, biografia que será lançada em São Paulo hoje, data em que Elis completaria sete décadas de vida. Ela morreu em 1982, aos 36 anos.
Intérprete de recursos infinitos, Elis despontou para o estrelato no fim da adolescência e passou a maior parte da vida sob os holofotes. A morte prematura, contudo, causada por overdose de cocaína, acabou por mitificá-la. Em 1985, a jornalista Regina Echeverria encontrou dificuldades para arrancar profundidade dos entrevistados ouvidos para a biografia Furacão Elis. Julio Maria teve o tempo a favor.
“Com o passar dos anos, as pessoas refletiram melhor sobre o que aconteceu”, acredita o autor, sobre a morte traumática da biografada. “Não ter convivido com Elis me trouxe uma vantagem: eu não tinha nenhuma teoria. Não era fã, amigo ou inimigo: entrei na história como repórter.”
O jornalista foi convidado a escrever um livro pequeno sobre Elis. Na terceira entrevista (“acho que foi com o Miele”), percebeu que havia muitas histórias a serem contadas e lutou para que o projeto fosse ampliado. “Se você confiasse só nas entrevistas da Elis, podia cair em armadilhas. Ela inventava histórias e apagava pessoas de sua vida caso brigasse com elas”, comenta Julio, citando a personalidade difícil da biografada.
Primogênito de Elis, o produtor musical João Marcello Bôscoli, filho da cantora com o jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli, tinha 11 anos quando a mãe morreu. “Onze e meio”, enfatiza ele, “pois seis meses fazem muita diferença na vida de um filho e uma mãe”. João Marcello chegou a receber uma versão prévia da biografia, mas não se meteu no texto final. Confiou no autor. “Se você ler o livro, será fácil perceber que não teve intervenção nossa. Eu acho inaceitável a família ter de autorizar”, opina João Marcello. “Isso é censura, e eu sou contra”.