Júlio Cavani
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Publicação: 20/10/2015 03:00
Seja pela possibilidade de retratar um espaço sob diferentes ângulos ou por poder mostrar a vida em movimento dentro dos ambientes, o cinema é uma linguagem que tem uma relação especial com a arquitetura. As duas formas de arte vivem em contato constante, seja em documentários sobre arquitetos e prédios ou em ficções que usam grandes (ou pequenas) construções como cenários. A relação ainda precisa ser mais explorada, mas alguns filmes demonstram uma preocupação especial com questões arquitetônicas. É o caso, por exemplo, do longa La sapienza, em cartaz no Recife a partir da quinta-feira, do curta Wandenkolk, sobre o arquiteto pernambucano Wandenkolk Tinoco, prestes a estrear em festivais, e da recém-lançada série Catedrais da cultura, que retrata edifícios grandiosos com imagens em 3D.
“O registro da arquitetura precisa levar em conta questões de ordem plástica, espacial ou urbana, transferindo para o público a visão crítica dos valores das obras”, acredita o arquiteto Bruno Firmino, que dirigiu o curta Wandenkolk. “No caso do cinema, temos a nosso favor a comunhão da relação entre espaço e tempo, que permite uma imersão maior no ambiente”, observa o cineasta. No filme (já finalizado, mas ainda inédito), discursos de Tinoco são intercalados por imagens de prédios projetados por ele, que, na década de 1970, foi um pioneiro na integração entre a natureza tropical e as formas de concreto. Outro arquiteto atuante em Pernambuco que teve a obra resgatada pelo cinema foi o português Delfim Amorim (1917-1972), tema do curta Quarteto simbólico (2011), de Josias Teófilo. “O cinema pode expressar a forma arquitetônica como nenhuma outra arte. A imagem em movimento salienta a volumetria e a composição do espaço”, ressalta o cineasta.
“Infelizmente, ainda existem poucos bons filmes no Brasil e no exterior enfocando a arquitetura”, acredita Josias, que recomenda o documentário O antigo Ministério da Educação e Saúde (1992), estruturado por uma entrevista com o arquiteto e urbanista Lúcio Costa, dirigido pelo cineasta José Reznik. No campo da ficção, ele destaca A noite (1961), de Michelangelo Antonioni.
No cinema pernambucano, outro curta que oferece uma pertinente reflexão sobre o tema é A composição do vazio (2001), de Marco Henrique Lopes, que apresenta a obra do filósofo Evaldo Coutinho (1911-2007), autor de livros sobre cinema e arquitetura, como A imagem autônoma.
Ainda de Pernambuco: Vitrais, de Cecília Araújo, sobre a artista plástica Marianne Peretti, além de filmes que problematizam o tema, como Menino Aranha e A vida noturna das igrejas de Olinda, ambos de Mariana Lacerda, Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro, Projetotorresgêmeas, dirigido coletivamente, e Recife frio, de Kleber Mendonça Filho.
Arquitetura brasileira
Em 1972, o cineasta Walter Lima Jr (Menino de engenho) dirigiu o filme Arquitetura, a transformação do espaço, sobre a formação de uma linguagem arquitetônica brasileira, formado por entrevistas com nomes como Lina Bo Bardi (cuja obra foi recentemente explorada por documentário franco-alemão), Joaquim Cardoso e Burle Marx. Há ainda documentários de longa-metragem, lançados nos últimos dez anos, sobre os arquitetos Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Eduardo de Almeida, Vilanova Artigas, Sergio Bernardes e Os Irmãos Roberto. Obras dos mestres serviram de cenário para clássicos do cinema. No filme Central do Brasil, por exemplo, há uma impactante sequência filmada no Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (conhecido como Pedregulho), projetado por Reidy em São Cristóvão, no Rio de Janeiro.
Internacional
Nicole Kidman e Sean Penn são os atores principais do suspense conspiratório A intérprete, de Sydney Pollack, mas a essência do filme está na locação, o prédio da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, projetado por uma equipe liderada por Oscar Niemeyer e Le Corbusier. O prédio aparece em clássicos como Intriga internacional, de Alfred Hitchcock, que precisou usar câmeras escondidas porque não conseguiu autorização para filmar lá dentro. Pollack também dirigiu o documentário Esboços para Frank Gehry, sobre o arquiteto que projetou o museu Guggenheim de Bilbao e o Walt Disney Music Hall (Los Angeles), principal cenário (e praticamente personagem) de O solista, com Jamie Foxx e Robert Downey Jr. Projetado por Frank Lloyd Wright, o Guggenheim de Nova York também foi atravessado por câmeras em Trama internacional e em um dos episódios da série Cremaster, do artista Matthew Barney. Do mesmo arquiteto, o futurista Marin County Civic Center, na Califórnia, pode ser visto em cenas da ficção científica Gattaca.
Arquitetando
Catedrais da Cultura
Em Catedrais da cultura, seis cineastas dirigem curtas em 3D sobre prédios monumentais. O alemão Win Wenders retratou a sede da Filarmônica de Berlim e o brasileiro Karin Aïnouz, o Centro Georges Pompidou, em Paris.
My architect
No filme My architect, indicado ao Oscar em 2004, Nathaniel Kahn desvenda a obra do próprio pai, o consagrado arquiteto estoniano Louis Kahn.
La sapienza
A arquitetura barroca italiana serve de inspiração para um grupo de personagens repensar a vida durante passeio por belas paisagens da Europa no filme.
Obra
O pernambucano Irandhir Santos interpreta um arquiteto em crise no filme Obra, de Gregorio Graziosi, que promove passeio arquitetônico por uma São Paulo de concreto, retratada em preto e branco.