Com que roupa eu não vou? Proibição de entrada de pessoas com bermuda e short no Teatro de Santa Isabel revolta frequentadores e gera protesto para derrubar veto

Isabelle Barros
isabellebarros.pe@dabr.com.br

Publicação: 28/01/2016 03:00

Durante o Janeiro de Grandes Espetáculos, várias pessoas foram barradas, mesmo com ingresso já comprado (Roberto Ramos/DP/D.A Press )
Durante o Janeiro de Grandes Espetáculos, várias pessoas foram barradas, mesmo com ingresso já comprado

“Não é permitida no teatro a entrada de pessoas trajando bermuda, short, camisa sem manga e chinelo, bem como portando alimentos e bebidas”. A norma do Teatro de Santa Isabel é vista com antipatia por parte dos espectadores e da classe artística, a ponto de motivar um protesto marcado para hoje à noite, durante a cerimônia de entrega do Prêmio Apacepe de Teatro e Dança, dado a quem se destacou no Janeiro de Grandes Espetáculos. Organizada pelas redes sociais, a manifestação angariou pessoas que prometem ir à casa de espetáculos justamente com as peças de roupa vetadas para questionar a validade da medida.

Os relatos de pessoas barradas na entrada dos espetáculos vêm acompanhados de uma insatisfação crescente com a norma, datada de 1960, justificada pelo fato de a casa de espetáculos ser considerada como um teatro monumento, dotado de valor histórico. Quem está à frente da ação é Júnior Sampaio, ator, encenador, dramaturgo e criador da companhia ENTREtanto TEATRO. No último dia 17, o artista compareceu à apresentação de Elke Maravilha no Janeiro de Grandes Espetáculos de saia longa, e a entrada foi permitida, aproveitando uma brecha no regimento do teatro. A experiência o motivou a convidar cerca de cem pessoas para acompanhá-lo hoje.

De acordo com Júnior, a intenção da manifestação é chamar a atenção para um suposto anacronismo da medida. “Se este é um patrimônio cultural, só faz sentido se as pessoas frequentarem. A moda também se modificou ao longo dos anos e ir de bermuda ou havaiana não denigre o espaço. Nossa ideia é convocar até os indicados ao prêmio para irem de bermuda, por exemplo. Uma pessoa pobre não pode entrar no Santa Isabel? Este é um espaço municipal, do povo, ou o teatro pertence a uma elite? A ideia não é criar confusão, mas alterar o que parece não fazer mais sentido”.

O ator Edjalma Freitas, integrante da Cia. do Ator Nu, reforça o coro: “Uma vez, um amigo foi ver uma peça comigo mas ele estava com uma blusa sem manga. Só conseguimos entrar porque arrumamos um casaco para cobrir o braço dele. Tudo bem proibir a entrada de comida e bebida, porque esses itens podem danificar a estrutura do teatro, mas patrulhar a forma com a qual o público se veste não tem sentido. Já temos dificuldade de levar as pessoas ao teatro e o público, ainda por cima, corre o risco de ser barrado. Isso é puro formalismo vazio que vem de uma época na qual as pessoas eram julgadas pelo que vestiam. A arte precisa combater isso”.

A Prefeitura do Recife decidiu não se pronunciar sobre a manifestação. Os outros teatros municipais em funcionamento, como o Teatro Luiz Mendonça, Teatro Hermilo Borba Filho e o Teatro Apolo, não têm essa restrição.

Saiba mais

Pelo Brasil
A norma adotada pelo teatro de Santa Isabel também é empregada pelo Theatro Municipal do Rio de Janeiro, aberto desde 1909, que permite apenas o traje esporte fino - camisa, calça e sapato fechado - na entrada dos espetáculos em cartaz. Já no Theatro Municipal de São Paulo, inaugurado em 1911, não há nenhuma restrição de vestimenta.

História do Teatro
O teatro de Santa Isabel foi inaugurado em 1950, com projeto do arquiteto francês Louis Léger Vauthier. Desde a abertura, foi o centro social da vida do Recife Imperial, sendo frequentado principalmente pela elite. No início, tinha na plateia personalidades como o poeta Castro Alves e Joaquim Nabuco. Ambos aproveitavam o espaço para defender posições políticas. Nomes do teatro local como Samuel Campelo e Valdemar de Oliveira, na primeira metade do século 20, garantiram ainda mais popularidade ao equipamento cultural.