ISABELLE BARROS
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Publicação: 14/05/2016 03:00
Um grupo de atores fez, há 25 anos, uma escolha que influenciou profundamente o teatro pernambucano. A opção pela comédia popular se tornou uma faceta reconhecível dos palcos locais com o sucesso da Trupe do Barulho desde a estreia de Cinderela - a história que sua mãe não contou, em 1991. Após duas décadas e meia, a companhia continua em atividade e vai estrear hoje, no Teatro Valdemar de Oliveira, a peça comemorativa Allyce no País das Marabibas, cujo enredo volta a subverter as histórias infantis para maximizar a sua graça.
O texto de Fillipe Enndrio, que também é o protagonista, segue apostando em uma comédia ligada ao improviso, à música e à predisposição de um povo pronto para rir de si mesmo. “Este foi um texto que escrevi há tempos e o grupo se interessou em montar no fim do ano passado. O final foi feito coletivamente e os nomes dos personagens foram modificados. A Rainha de Copas se tornou a Rainha de Paus, o Chapeleiro Maluco vira o Cachaceiro Maluco e assim sucessivamente”, afirma.
A Rainha de Copas se torna a Rainha de Paus e manda castrar todos os homens do reino e só Allyce, vinda direto do Alto José Bonifácio, pode pará-la, pois sabe de um segredo de Sua Majestade. Para isso, ela precisa ir ao País das Marabibas e viver as mais variadas aventuras. Além de Fillipe, o espetáculo conta mais seis atores: Aurino Xavier, na trupe desde a fundação, Jô Ribeiro, o também diretor Thiago Ambrieel, Saulo Máximo, Carlos Mallcom e Ricardo Silva.
O diretor da montagem Thiago Ambrieel, na trupe desde 2012, afirma que o espetáculo faz jus à proposta defendida pelo grupo nos últimos 25 anos, como ato de resistência e como homenagem à história da companhia “Nosso propósito é criar uma salada homogênea, se isso for possível. Na estética, a graça é misturar elementos da cultura de massa. Vamos ter músicas, coreografias e uma projeção interativa. As pessoas vêm ver um espetáculo nosso querendo a quebra das regras do teatro e da ‘quarta parede’. Os atores têm liberdade para improvisar”.
Fato raro, a Trupe do Barulho se consolidou no imaginário do pernambucano com o primeiro espetáculo, Cinderela - a história que sua mãe não contou. Após três apresentações na extinta boate Araras Dancing Bar, o grupo conseguiu pauta só para a meia-noite no Teatro Valdemar de Oliveira e agarrou a oportunidade. “Deu certo primeiramente pela curiosidade. A gente convidava os amigos e eles perguntavam, por ser de madrugada: ‘é sexo explicito’?”, lembra, com humor, o ator e diretor Jeison Wallace, que resume o efeito da personagem-título em sua vida. “Até hoje colho o sucesso do espetáculo. Me espanto, mas agradeço muito a Deus”.
Após a subversão teatral dos contos de fadas em Cinderela - quase dez anos ininterruptos em cartaz - outros espetáculos estrearam e a trupe passou por várias mudanças de elenco. Até agora, a companhia montou 16 peças, incluindo A casa de Bernarda e Alba (1995), com a impágável Banda Pão com Ovo, Deu a louca na história que sua mãe não contou (2000), As filhas da p… (2001), As três porquinhas (2005), As Criadas…mal criadas (2006 e 2014) e Chupa chupa show (2008), com o carismático personagem Chupingole, de Aurino Xavier.
De acordo com Luís Reis, professor de teatro da UFPE e autor do livro Cinderela - a história de um sucesso teatral dos anos 90, a trupe tem um papel catalisador para o pernambucano e o talento de seus integrantes deve ser respeitado e valorizado. “O teatro popular, historicamente, sempre foi visto com suspeição, mas o tempo prova que esses talentos resistem. A trupe contribuiu para reconfigurar a posição de setores da sociedade sem voz, e essa é uma atitude política. A Cinderela é um travesti negro e pobre, mas se tornou um personagem da mídia massiva, tudo com muita graça. Não há nada de pejorativo em ser comercial e atender os desejos da plateia”.
“A Trupe não é de ninguém, é de quem quiser ficar. O compromisso de cada um é o de doar seus talentos. Lutamos por um estilo de trabalho, por uma comunicação direta com o público, mas as pessoas ainda têm preconceito, especialmente na classe artística e no ambiente acadêmico. Sempre trabalhamos com crítica social, porque o humor é um instrumento de reflexão”
Aurino Xavier,
ator de Allyce no País das Marabibas e cofundador
da Trupe do Barulho
“Sou dramaturgo graças à Trupe. Após escrever A bicha burralheira, que deu origem a Cinderela, fiz o texto de A casa de Bernarda e Alba, Deu a louca na história que sua mãe não contou e As filhas da p… O grupo faz teatro mesmo sofrendo o preconceito de uma classe sem classe, mas as pessoas sabem o valor dele. Gostaria de citar Edilson Rygaard (1964-2003) [que fazia o príncipe em Cinderela]. Ele era amigo e muito inteligente.”
Henrique Celibi,
dramaturgo, diretor, ator, figurinista e cenógrafo
“A Trupe, para mim, é vida, é não ter vergonha de ser feliz. O grupo criou uma escola de humor no Recife e, mesmo que algumas pessoas não gostem, ele provocou uma catarse no cenário teatral. A trupe é luta, garra e um amor incondicional pela arte.”
Jô Ribeiro,
cortesã do reino em Cinderela
“Com Cinderela, fomos à TV e ao rádio com esse formato, foi importante. Fiz A casa de Bernarda e Alba, Chupa chupa show, As malditas, As criadas, As filhas da p… e hoje estou na Oxe Mainha, fundada por Jeison. O grupo foi fundamental para mim como ator e espaço de resistência.”
Flávio Luiz,
ator (uma das irmãs em Cinderela)
“Cinderela foi divisor de águas para a cidade e atraiu tanto o povo como a elite. O grupo começou como uma cooperatva de atores e, hoje, virou empresa. Financeiramente, éramos bem pagos. Teve gente do elenco que comprou casas. Éramos reconhecidos”
Roberto Costa,
Ator e produtor (a Fada Macumba)
Serviço
Allyce no País das Marabibas, da Trupe do Barulho
Quando: sábados, às 20h e domingos, às 19h
Onde: Teatro Valdemar de Oliveira - Praça Oswaldo Cruz, 411, Boa Vista
Ingresso: R$ 20 (meia entrada
para todos)
Informações: 3222-1200