Larissa Lins
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Publicação: 29/05/2016 03:00
Por trás da arma calibre 38 apontada na direção da modelo e apresentadora Ana Hickmann, cujos disparos atingiram a assessora dela em hotel da Zona Sul de Belo Horizonte (MG), estava um fã obcecado - que acabou morto. Rodrigo Augusto de Pádua, de 30 anos, morava em Juiz de Fora e, segundo investigações da Polícia Civil de Minas, teria premeditado o ataque a Ana Hickmann, com quem fantasiava relacionamento amoroso. O atentado resgatou debates quanto à delicada relação entre fãs e ídolos, fragilizada pela superexposição na era das redes sociais.
“Ele dizia: ‘Eu vim me acertar com você, vagabunda’, o tempo todo falando que eu não prestava, era mentirosa, não correspondia ao amor dele”, descreveu Ana Hickmann em entrevista ao Domingo espetacular, da Rede Record, emissora na qual apresenta o Hoje em dia. Antissocial, o atirador mantinha perfil no Instagram dedicado à modelo, que chegou a bloqueá-lo há dois meses na rede. “Ele havia escrito pornografias e eu estava com medo”, declarou Ana. É nos perfis virtuais, dizem especialistas, que surgem os primeiros sinais de comportamento abusivo e perseguição (stalker) aos ídolos.
Na rede, a invasão de privacidade é facilitada pelas vítimas, através do compartilhamento de informações, entre localização, horários da rotina, compromissos, rostos de familiares. “Episódios trágicos como o de Ana Hickmann deixam a classe artística alarmada. Usar as redes sociais com moderação é uma forma de se protegerem, controlando a própria exposição. Não se pode postar sem pensar”, aconselha Léo Rapini, coaching especializado em profissões criativas - músicos, artistas, modelos. Na semana passada, dois outros incidentes espelharam a invasão da vida íntima dos famosos e a ameaça à sua segurança. A cantora Anitta teve a casa invadida por um fã, detido antes de chegar até ela, e o cantor sertanejo Jorge (Jorge & Mateus), se negou a tirar fotos com fãs em aeroporto, se alegando cansado após show e sessão de autógrafos.
Para a psicóloga Analu Ianik Costa, especialista em comportamento antissocial e transtorno de estresse pós-traumático, embora seja difícil traçar um perfil específico de fã invasivo ou, sobretudo, ameaçador, há traços em comum. “Geralmente, são pessoas isoladas socialmente, reclusas, com poucos amigos. Em alguns casos, a admiração excessiva se transforma em obsessão, como no assassinato de John Lennon. Em outros, há um delírio, como no caso de Ana Hickmann, em que o atirador acreditava se relacionar com a modelo”, explica Analu. Segundo ela, casos como o da apresentadora, e também os dos músicos Anitta e Jorge, geram transtorno de estresse pós-traumático em diferentes níveis. “Surgem o medo de ser deixado sozinho, de voltar a ter contato com fãs, a dificuldade em sair de casa. Ou de voltar para casa, quando se trata de invasão domiciliar”, lista a psicóloga.
Para Rapini, é preciso estabelecer limites entre ídolos e fãs como numa relação profissional. “Até que ponto a aproximação de um chefe ou colega é aceitável e quando ela se torna invasiva, desrespeitosa?”, sugere o coaching. Em caso de ameaça explícita, ele alerta, é preciso formalizar denúncia. Analu endossa: para ela, todos os sinais de comportamento incoveniente devem ser observados e censurados pelos ídolos - “que, por serem figuras públicas, estão mais expostos a esse tipo de obsessão e comportamento agressivo.”
Na opinião dos profissionais, algumas recomendações à classe artística se estendem, ainda, ao público em geral: a superexposição deve ser evitada por qualquer usuário das redes, transformados na internet em figuras públicas. “Que tal aprendermos, por exemplo, a fazer check in nos lugares quando já estivermos de saída? Assim, elogiamos o atendimento, a boa comida ou bom espetáculo, sem expor nossa localização em tempo real”, propõe Rapini.
[ Fanatismo
John Lennon
O músico foi assassinado em 1980 por Mark Chapman, fã dos Beatles, na porta do Edifício Dakota, onde Lennon vivia, em Nova York. Além da admiração obsessiva pelo artista, Chapman chegou a declarar revolta por John Lennon ter “blasfemado” ao dizer que os Beatles eram mais famosos que Jesus. O atirador efetuou cinco disparos. Quatro atingiram a vítima, com balas de ponta côncava (que se expandem ao atingir o alvo). Lennon, que voltava de estúdio acompanhado por Yoko Ono, chegou a ser socorrido, mas foi declarado morto ao dar entrada no hospital. Chapman, que aguardou a chegada da polícia e confessou o crime, foi condenado à prisão perpétua.
Madonna
A Rainha do Pop foi ameaçada nos anos 1990 por Robert Dewey Hoskins, caso recusasse o pedido de casamento. Ele disse que a cortaria “de orelha a orelha”, caso não recebesse um “sim” para o enlace. Madonna entrou com ação judicial, ele foi preso em 1995. No julgamento, a cantora revelou que Hoskins costumava escalar o muro da casa dela, lhe provocando pesadelos. Em 2012, fugiu do hospital em que recebia tratamento psiquiátrico a pé, o que levou a polícia a emitir comunicado à população, declarando que o homem era “altamente psicótico e com tendências muito violentas”. Recapturado, ficou conhecido como “o stalker de Madonna.”
Adam Levine
O vocalista do Maroon 5 sofreu ataque inusitado em 2015, ao ser atingido por saco de açúcar durante evento. Ele distribuía autógrafos na saída do talk show Jimmy Kimmel Live, em Los Angeles, quando Navid Farsi arremessou o objeto contra ele. Farsi foi detido e responde por contato físico ofensivo. Na ocasião, foi divulgado que o pó branco, que parecia ser farinha de trigo, era açúcar refinado - uma alusão ao single Sugar, que o grupo estava promovendo. O mesmo agressor é suspeito de ter arremessado pedra conta o ator e lutador Dwayne Douglas Johnson, conhecido como The Rock (“pedra”).
Sandra Bullock
Em 2014, um fã chamado Joshua Corbett invadiu a casa de Sandra Bullock. Ela se escondeu no armário do quarto e ligou para o serviço de emergência. A chamada durou 15 minutos, tempo para a atriz descrever a aparência do suspeito, detalhando em que cômodo ele estava, até a polícia chegar. A gravação foi divulgada, revelando o pânico na voz de Sandra. Corbett possuía fotos da atriz e uma carta de amor com duas páginas. “Eu te amo, Sandy!”, ele lamentou. O advogado do invasor alegou que ele acreditava ser casado com a atriz, sem intenção de feri-la. O juiz considerou trecho de cunho sexual na carta do fã, para contrapor a defesa.
Cláudio Heinrich
O ator brasileiro Cláudio Heinrich, conhecido sobretudo pelo papel na novela teen da Globo Malhação, foi atacado por fã na saída de uma boate no Rio de Janeiro. Abordado pelo agressor, Thiago Fleming Pereira, Heinrich se negou a posar para foto, sendo atacado com copo de vidro no rosto e no pescoço. O caso ganhou ampla repercussão na mídia pela ameaça à “aparência” do ator, fundamental à sua carreira de galã. Ele levou 14 pontos nos ferimentos e processou Pereira, que foi preso. Desde então, Heinrich declaradamente evita frequentar boates e casas de festas.