O pecado da gente

ISABELLE BARROS
isabellebarros.pe@dabr.com.br

Publicação: 23/07/2016 03:00

 (Guga Melgar/Divulgação )

Um salão de beleza é o microcosmo escolhido pela peça O impecável para mostrar quais pecados ainda são cometidos com gosto não só pelos frequentadores, mas pela sociedade. O viés cômico é garantido pela presença do ator Luiz Fernando Guimarães, com larga experiência na arte de fazer rir. Para o espetáculo, o ator se desdobra em oito personagens, seja a dona do salão, Eleonora, funcionários ou clientes, mudando, para isso, a postura do corpo e da voz, sem uma caracterização que o ajude na transição entre um e outro. A produção chega ao Recife para uma única apresentação no Teatro Guararapes, às 21h de hoje.

Para quem acompanha a programação de humor da TV a cabo, a história não é estranha. O texto, o primeiro não-musical da dupla Charles Moeller e Cláudio Botelho, também serviu de base para o programa Acredita na peruca, protagonizado pelo próprio Luiz Fernando e exibido no Multishow em 2015. Ele encarnou a ex-miss e socialite falida Eleonora, cujo salão foi montado a partir do dinheiro do ex-marido.

O texto trabalha com tipos populares: o atendente preguiçoso, o evangélico, a manicure, o cabeleireiro que se gaba do conhecimento como hair stylist. Os personagens são inspirados nos sete pecados capitais. Toda a ação é passada a partir de cenografia simples: um palco mobiliado com bancada e cadeira com secador de cabelo. A identificação entre público e personagens vem por meio do riso, com situações ou tiradas similares a pessoas da vida real.

Entrevista Luiz Fernando Guimarães //  ator

Você encarou o desafio de fazer um monólogo com oito personagens. Quais foram as estratégias para compor cada um deles e diferenciá-los?

Trabalhamos muito com repetição, porque em teatro, quanto mais você repete, mais entra na sua mente. Era muito difícil sair de um personagem e entrar no outro sem caracterização, depois voltar para o anterior e, em seguida, falar com um invisível. No início, pensei que seria muito fácil, mas foi trabalhoso, exaustivo. Ensaiava quatro horas, mas elas equivaliam a oito, pois eu estava sozinho. Fui compondo os personagens a partir do ritmo de voz, dos gestos, dos andamentos. Alguns são mais acelerados do que outros e calibramos isso em função da fala, do universo apresentado por ele. Até hoje, faço a peça achando que ela não está completamente pronta, embora o público ache o contrário.

Já que a peça se passa em um salão de beleza, quais são as possibilidades cômicas que você vê nesse universo?

O nome O impecável tem a ver com os sete pecados capitais. Como dizia Andy Warhol, um salão é a porta do inferno, onde todas as vaidades se encontram. A comicidade sempre tem um pouco do trágico, então a peça é tragicômica. Os personagens não são bonzinhos, trabalham com ambição, competitividade. Todos são antagônicos e, ao mesmo tempo, reais. Não precisei frequentar muito esse ambiente de salão, pois as situações poderiam se passar em uma empresa, em um banco. O público identifica isso.

Em um mundo no qual as redes sociais, por exemplo, parecem exigir a necessidade de estarmos sempre “impecáveis”, como você vê a relevância das discussões que a peça propõe?
As pessoas saem da peça se vendo. O impecável se apresenta de uma forma infernal, porque ela é uma coisa descomposta, não é politicamente correta. O público se identifica porque todo mundo ou vive as situações da montagem ou tem um pouco daqueles personagens, conhece alguém que é um pouco daquilo. A risada é um bom termômetro de identificação. O espetáculo não é humorístico porque não tem comédia todo o tempo, mas ele assume seu lado cômico.