Já é de casa Após deixar a França, estabelecer-se no Recife e se tornar uma das principais produtoras do cinema pernambucano, Emilie Lesclaux será reconhecida com o título de cidadã do município

Júlio Cavani
juliocavani.pe@dabr.com.br

Publicação: 01/08/2016 03:00

 (Bruna Coutinho Valença/Divulgação)
Há pessoas que transformam os lugares e lugares que transformam as pessoas. A relação entre o Recife e Emile Lesclaux enquadra-se nos dois casos. Ao mudar-se para o Recife, onde casou e teve filhos, a francesa, nascida em Bordeaux, tornou-se uma das principais produtoras do cinema pernambucano, tanto nos bastidores da realização de filmes importantes, como O som ao redor (2012), Permanência (2014), Sem coração (2014) e Aquarius (2016), quanto na coordenação do festival Janela Internacional de Cinema do Recife.

Na próxima quinta-feira, a ligação entre Emilie e a cidade será oficializada definitivamente pela Câmara dos Vereadores, que entregará a ela o título de Cidadã Recifense. A ligação com o setor cinematográfico tomou forma quando ela começou a trabalhar na produção de curtas como Eletrodoméstica (2005) e Recife frio (2009), dirigidos por Kleber Mendonça Filho, com quem se casou na igreja do Poço da Panela, em 2007.

No país onde escolheu morar, Emilie não cruza os braços. Ela tem consciência da importância do posicionamento político e participou do protesto contra Michel Temer no Festival de Cannes junto com Sonia Braga, Kleber, Maeve Jinkings e a equipe do filme Aquarius. A manifestação teve ampla repercussão internacional. A presidente eleita Dilma Rousseff, que já havia sido afastada, agradeceu pessoalmente pelo gesto, fundamental para a conscientização internacional sobre a situação vivida pelo Brasil. Independentemente do episódio, a produtora francesa também busca promover transformações sociais por meio dos projetos nos quais se envolve, seja pelo conteúdo dos filmes em si ou pelo festival Janela, que tem sido essencial para a revalorização do Cinema São Luiz no contexto da situação atual do Centro do Recife.

Por meio da produtora Cinemascópio, Emilie já tem novos projetos para o cinema e para a TV, junto com diretores como Leonardo Sette, Juliano Dornelles e Mariana Lacerda. Além de filmes rodados em Pernambuco, ela também teve a experiência de produzir um longa-metragem em São Paulo (Permanência, de Leonardo Lacca) e em uma praia de Alagoas (o curta Sem coração, de Tião e Nara Normande, premiado na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes), mas ambos eram produções pernambucanas.

Em entrevista concedida ao Viver, ela falou sobre o título de cidadã, uma homenagem mais do que merecida a uma pessoa que mora no Recife há 14 anos e ajudou a revelar o talento dos artistas da cidade para o Brasil e para o mundo.

MEDALHA PARA KLEBER
Além do título de cidadã para Emilie Lesclaux, a Câmara dos Vereadores do Recife entregará a Kleber Mendonça Filho a Medalha do Mérito José Mariano, a mais alta honraria concedida pelo poder legislativo municipal. Ambos os projetos foram aprovados pela casa após proposta elaborada pela vereadora Marília Arraes.

Entrevista Emilie Lesclaux //  Produtora

Você já se considera uma recifense, antes mesmo de receber o título de cidadã?
Sem dúvida. Moro nessa cidade há 14 anos, passei toda a minha vida adulta aqui, trabalhei e me tornei produtora de cinema, casei e tive filhos aqui, desenvolvi amizades... São muitas coisas que criam vínculos fortes com um lugar.

O que a trouxe ao Recife? Por que escolheu a cidade?
Depois de me formar, eu vim para trabalhar no Consulado da França para o Nordeste, no setor de cooperação cultural. Eu inicialmente passaria um ou dois anos aqui, mas quando meu contrato se encerrou, acabei ficando. Eu não sabia nada do Recife, mas quando abriu essa vaga no consulado, achei interessante ter uma experiência de trabalho no Brasil e me candidatei.

Se tivesse continuado na França, provavelmente você também trabalharia com cinema ou isso foi uma coisa que o Recife despertou? Como aconteceu? Qual é sua formação?
Eu me faço essa pergunta de vez em quando. Eu estudei ciências políticas e cooperação internacional, mas sempre quis fazer cinema. Eu sou cinéfila desde pequena, gostava muito de escrever historias, participava de cineclubes e festivais de curtas metragens... Quando terminei o colégio, quase fui para uma escola de cinema, mas decidi ter uma formação mais aberta para depois decidir. No Brasil, o meu encontro com Kleber Mendonça Filho foi determinante no rumo que eu acabei seguindo. Comecei ajudando ele nos curtas-metragens que ele realizava, fazendo um pouco de produção e de montagem, e fui me especializando cada vez mais na área de produção.

Você tem vontade de escrever ou dirigir seus próprios filmes? Tem algumas ideias na cabeça enquanto artista?
Eu já tive vontade em outros momentos da minha vida, mas hoje estou trabalhando em muitos projetos, e tentando conciliar também com a vida de família com duas crianças pequenas. Prefiro focar na produção, mas de uma maneira muito criativa, dando opiniões nos roteiros e na montagem dos filmes. Acho que existe um estigma do produtor de trabalhar apenas com números e dinheiro, mas para mim os melhores produtores e produtoras são na verdade coautores dos filmes, como eu me sinto inclusive. Aquarius, por exemplo, foi escrito por Kleber, mas eu acredito totalmente no filme e há algo de mim ali.

Quais os próximos projetos com a Cinemascópio e pessoalmente, como produtora?
Estamos na pré-produção de dois filmes: o próximo longa de Kleber, que é também dirigido por Juliano Dornelles, Bacurau, e o primeiro longa de ficção de Leonardo Sette, Isolar. Em paralelo, estamos finalizando o longa O ateliê da Rua do Brum, de Juliano Dornelles. E, para terminar, estamos desenvolvendo cinco projetos dentro do Nucleo Criativo Cinemascópio, projetos de séries para televisão e longas-metragens dirigidos por Mariana Lacerda, Leonardo Sette, Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho.