Volta de Burton à fantasia
Cineasta retorna aos longas-metragens de visual excêntrico com O lar das crianças peculiares, adaptação dos livros do escritor Ransom Riggs
Júlio Cavani
juliocavani.pe@dabr.com.br
Publicação: 29/09/2016 03:00
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Criaturas com diversos poderes mágicos dividem espaço em malassombradas ruínas de um antigo orfanato |
Viagens no tempo, monstros, fantasmas e superpoderes estão entre os ingredientes do filme O lar das crianças peculiares, dirigido por Tim Burton, cineasta norte-americano especializado em contar histórias de fantasia encantadoras e sombrias. Pela combinação entre fenômenos sobrenaturais, o novo longa é uma das obras mais surrealistas do cineasta, com direito a um personagem que mostra os sonhos na parede como se tivesse um projetor de cinema dentro da cabeça.
O filme representa o retorno de Burton com força total ao universo fantástico, já que o último longa do diretor, Grandes olhos (2014), era baseado em história verídica e foi um de seus trabalhos de menor bilheteria (além de não ter recebido indicações ao Oscar, como parecia ser a intenção).
A história gira em torno das malassombradas ruínas de um orfanato que abrigava crianças paranormais até ser destruído em um bombardeio na Segunda Guerra Mundial. Casarões misteriosos, que escondem segredos inacreditáveis, já foram explorados pelo cineasta em filmes como Os fantasmas se divertem (1988), Edward Mãos de Tesoura (1990) e Sombras da noite (2012). Desta vez, a história é baseada em romance de Ransom Riggs, revelação da literatura fantástica infantojuvenil, cujos livros começaram a ser lançados no Brasil.
Cada órfão tem superpoder diferente. Enoch é telecinético. Hugh solta abelhas pela boca. Millard é invisível. Olive solta fogo. Fiona controla as plantas. Claire tem uma boca na nuca. Emma manipula o vento. Horace tem olhos que projetam os sonhos. Os gêmeos (sem nome) transformam pessoas em pedra.
A trama não chega a ser tão enigmática e alegórica como a criada pelo escritor Lewis Carrol em Alice no País das Maravilhas (levado ao cinema por Burton em 2010), mas é absurda o suficiente para dar um nó na cabeça do espectador. Alguns detalhes são até difíceis de entender, talvez por necessitarem de explicações mais didáticas e menos apressadas, o que não chega a atrapalhar o andamento ou a diversão.
Interpretado por Asa Butterfield (A invenção de Hugo Cabret e Ender's game), o protagonista é um adolescente intrigado pela infância do avô (morto em estranhas circunstâncias, com os olhos retirados), que viveu no orfanato, localizado em uma ilha do País de Gales (possível referência ao clássico O homem de palha, de 1973). O menino visita o lugar e descobre uma espécie de portal mágico que o transporta até 1943, quando o casarão ainda não havia sido bombardeado.
Ao viajar para o passado, o garoto encontra as crianças com poderes sobrenaturais, que conviveram com o avô dele. Elas vivem sempre o mesmo dia, que se repete antes da queda da bomba, como um fluxo de tempo contínuo, e acumulam as memórias e experiências cotidianamente sem envelhecer. O menino é recebido como um amigo e, juntos, eles passam a lutar contra inimigos que se alimentam dos olhos das crianças.
Além de efeitos especiais digitais, o filme também tem criaturas feitas em stop-motion, técnica que Tim Burton usou em longas como Frankenweenie e Noiva cadáver (uma cena parece homenagear Ray Harryhausen, mestre do estilo). O elenco adulto é formado por atores como Eva Green, Terence Stamp, Samuel L. Jackson, Rupert Everett e Judi Dench.
Por ser baseado em uma série de livros e por ser protagonizado por adolescentes e crianças com poderes mágicos, o filme parece procurar repetir o sucesso de Harry Potter, apesar de continuações ainda não terem sido anunciadas. O enredo complicado, entretanto, pode atrapalhar.
Mais uma vez, Tim Burton usa toda essa alegoria para tratar de questões bastante pessoais, como o carinho pelas pessoas diferentes, excêntricas e desajustadas, além da valorização da sabedoria dos mais velhos sobre coisas ocultas que a sociedade não percebe no cotidiano. É exemplo de cinema bastante autoral que, na medida do possível, consegue alcançar resultados artisticamente autênticos mesmo na lógica industrial de Hollywood.
Estreias
O bebê de Bridget Jones
No terceiro filme da franquia, Bridget tem que lidar com uma gravidez não planejada aos 43 anos. Para piorar a situação, ela não sabe quem é o pai: seu antigo amor Mark Darcy e o matemático Jack Qwant são as duas opções. Renée Zellweger retorna como a protagonista desengonçada, e o longa conta ainda com participação da ganhadora do Oscar Emma Thompson, também responsável pelo roteiro.
Meu amigo, o dragão
Clássico da Disney de 1976, que misturava atores com desenhos animados, ganha nova versão. A criatura cria uma forte amizade com um menino órfão que cresceu em uma floresta, onde ambos vivem escondidos da civilização até serem descobertos. É interessante perceber que, no novo filme, o monstro é mais parecido com um cachorro verde voador do que com um lagarto ou dinossauro.
Gênios do crime
Zach Galifianakis e Kristen Wiig são os atrapalhados funcionários de uma empresa de carros-forte que resolvem roubar um banco na escrachada comédia. Owen Wilson interpreta o mentor da operação, que dá certo mas gera uma infinidade de confusões quando eles começam a ser procurados pela polícia, pois a dupla de assaltantes não é nada discreta. A direção é de Jared Hess.
O silêncio do céu
No suspense, Carolina Dieckman interpreta uma mulher que é estuprada, em casa, por dois homens, mas resolve não contar nada para o marido (Leonardo Sbaraglia). Sem que a esposa saiba, ele presencia o crime e decide também não tocar no assunto, enquanto procura vingar-se dos agressores em segredo. Dirigido por Marco Dutra, o filme foi rodado em Montevidéu e é falado principalmente em espanhol.
A passageira
No filme peruano, um taxista reencontra uma mulher que tem um trágico passado de abusos cometidos por um coronel na época da ditadura, 25 anos antes. Ele resolve ajudá-la a procurar justiça, mas passa a correr perigo porque o militar ainda tem poder econômico e político. O diretor do longa-metragem é Salvador del Solar, que foi o ator principal de Pantaleão e as visitadoras (2000), maior sucesso do cinema do Peru.
Meu rei
Com o filme, Emmanuelle Bercot ganhou a Palma de Ouro de Melhor Atriz no Festival de Cannes em 2015. De forma intimista e intensa, o filme retrata dez anos de um relacionamento amoroso que começou harmonioso, mas aos poucos tornou-se conturbado quando o homem revelou um lado violento e egoísta. A direção é da cineasta francesa Maïwenn. O marido é interpretado por Vincent Cassel.