Lady Gaga nua e crua
Dona de hits do pop cercados por escapismos da realidade, cantora se apropria da tendência de álbuns visuais em Joanne e encarna alterego menos excêntrico
Larissa Lins
larissa.lins@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 24/10/2016 03:00
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No primeiro episódio da série, lançado na quinta-feira passada em seu canal no YouTube, Gaga está em estúdio, acompanhada dos produtores Mark Ronson e Bloodpop, desenvolvendo a faixa A-yo - a mais country do novo disco. Kevin Parker (Tame Impala) aparece rapidamente nas filmagens, que exploram o lado informal e descontraído da artista. É um recurso diferente do utilizado por Beyoncé, cujo último álbum foi costurado como uma espécie de filme dividido em capítulos (as músicas): Lemonade foi, inclusive, lançado na televisão, em abril passado, pelo canal HBO. Mas atrai as atenções de modo semelhante. “Ajuda a construir uma experiência de ouvir que vai além da música. Na prática, ouvir um artista sempre demanda ‘conversar’ sobre ele, com ele, e ‘conversar’ exige um repertório compartilhado por quem conhece aquele trabalho. Esse repertório vai além de palavras, é também visual”, explica o pesquisador e professor de mestrado em música da UFPE Bruno Nogueira.
Nesse sentido, o caminho de Gaga é semelhante ao trilhado por bandas como Metallica e Blink 182. Esta última lançou no Spotify a série Flash frame - Blink 182, dedicada à trajetória do grupo, enquanto aquela estrelou Landmark - Metallica: the early years, um recorte nostálgico dos primeiros anos da carreira. Para Nogueira, a internet influencia no modo como esse tipo de material é consumido, embora o apelo visual não seja novidade na música: “A hard day’s night, dos Beatles, por exemplo, é um álbum visual, produzido numa época em que existiam ainda menos cinemas e televisões. A internet afeta esse consumo ao agregar diversas linguagens (áudio, vídeo, etc) numa única plataforma”, avalia.
Sem espaço para as bandeiras de outrora
O álbum mais country de Lady Gaga esbarra em falta de engajamento político em um momento decisivo nesse sentido para os Estados Unidos, às vésperas das eleições presidenciais. Conhecida por defender o “diferente” e idolatrada pelo público LGBT, Gaga evoca elementos heteronormativos no novo disco, o que pode ser associado ao tradicionalismo. O título do álbum homenageia a tia Joanne, falecida aos 19 anos - antes de Lady Gaga nascer -, de quem herdou o segundo nome. Joanne tem produção de Mark Ronson (conhecido pelos trabalhos com Amy Winehouse, Paul McCartney, Bruno Mars e Lilly Allen) e qualidade superior a Perfect illusion, primeiro single divulgado, em sonoridade e temas abordados.
Million reasons e Joanne são baladas country, assim como A-yo, mais animada. Em Dancin’ in circles, uma das melhores do disco, mistura de pop e ska, os vocais de Lady Gaga fazem lembrar Gwen Stefani, outro ícone do pop engajado. A sororidade dá o tom de Hey girl, dueto com Florence Welch sobre a colaboração e solidariedade entre mulheres, outra canção de destaque no álbum. Joanne está disponível gratuitamente no Spotify.
2 perguntas
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Como avalia os lançamentos recentes com proposta mais visual?
Não diria que é uma tendência inovadora. O álbum visual é, antes de tudo, um “álbum conceitual”. O primeiro álbum conceitual foi o Sgt. Peppers…, dos Beatles, em 1967. Não faz tanto tempo assim, mas, ainda assim, esse formato foi bastante usado desde então. E de forma inovadora, como fizeram Prince e Serge Gainsbourg. Poucos fizeram como o Daft Punk, por exemplo, que lançou um álbum inteiro com narrativa visual que misturava anime e ficção científica. Esses recursos permitem uma experiência que é “diferente”, o que não necessariamente é inovador. Mas não acho que isso seja um problema.
Em que a estética, o impacto visual, contribuem para criar a atmosfera da música, reforçar sua mensagem e impacto?
Ouvir música, na prática, significa conversar sobre música. Se você apenas aperta o play e não esboça nenhuma reação, a música encerra e você segue a vida, então a experiência está incompleta. A gente ouvir e pensar um “gostei!” ou “não gostei!” demanda imediatamente a construção disso que chamei de conversa, que pode ser consigo mesmo, na cabeça. Uma busca pela resposta, pelo motivo para ter gostado ou não gostado. Com isso, vamos construindo um repertório. “Gostei por causa da voz” e por aí vai. Para artistas como Madonna e Beyoncé, o impacto visual e de performance é sempre fundamental nessa formulação (para o bem ou para o mal). Vamos ouvir e imaginar imediatamente como será a dança, como será o show, o figurino... Para muitos artistas, isso é ainda mais complexo. É o caso de Liniker, onde a experiência visual é fundamental para entendermos de que forma a música desafia relações de normatividade de gênero.
Números
- 14 faixas tem o novo disco da cantora norte-americana
- 6 álbuns ela lançou ao longo da carreira, dois deles compilação (The fame, The fame monster, Born this way, Artpop, Cheek to cheek e Joanne)
- 109 prêmios a cantora já venceu na carreira. Entre eles, estão seis Grammys, o principal da música
- 27 milhões de álbuns já foram vendidos pela artista, com 66 milhões de singles